CRIME DOLOSO E CRIME CULPOSO
1. INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tem por objeto a
análise dos crimes dolosos e culposos, observando seus conceitos e
características.
2. CRIME:
Em consequência do caráter dogmático
do Direito Penal, o conceito de crime é essencialmente jurídico. Entretanto, ao
contrário de leis antigas, o Código Penal vigente não contém uma definição de
crime, que é deixada à elaboração da doutrina.
Crime, em termos jurídicos, é toda
conduta típica, antijuridíca (ou ilícita) e culpável, praticada por um ser
humano.
Em um sentido vulgar, crime é um ato
que viola uma norma moral.
Num sentido formal, crime é uma
violação da lei penal incriminadora.
No conceito material, crime é uma
ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena, porque
constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico individual ou coletivo.
Como conceito analítico, o crime
pode ser dividido em duas vertentes: a clássica e a finalistica. A primeira,
observa o Crime como um fato típico, antijurídico e munido de culpabilidade.
Tal divisão baseia-se na premissa de que a culpabilidade é um vínculo subjetivo
entre a ação e o resultado de certa conduta.
Para a
teoria finalistica, a mais aceita pelos doutrinadores, a culpabilidade não faz
parte do conceito de crime pois esta é apenas pressuposto para a aplicação da
pena. Isto ocorre porque a culpabiliade não irá afetar a existencia ou não de
um crime e sim apenas influir na integração de uma pena.
Para a teologia, o crime é o pecado, que significa
transgressão da lei, e desobediência a vontade e a palavra de Deus, sendo o
crime um ato voluntário humano que tem como consequência final a morte e perda
da salvação da alma.
3- CRIMES DOLOSOS:
3.1-
Teorias do Dolo
Para
definir o crime doloso duas teorias disputaram o consenso dos criminalistas,
notadamente as teorias da representação
e da vontade, constituindo-se a
essência do delito doloso, para a primeira, no elemento intelectivo, ou seja,
na previsão do evento, e, para a segunda (teoria da vontade), o tópico
proeminente no momento volitivo, exigindo, para que se tenha agido com dolo, a
vontade de causação do evento.
Para
a teoria da representação, a existência do dolo requer a representação
subjetiva ou previsão do resultado como certo e provável e, para a segunda, a
vontade ou consentimento no resultado. Dissídio este, como lembra NELSON
HUNGRIA, superado, pois "dolo é, ao mesmo tempo, representação e vontade".
Diz
o Código Penal que o crime é doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu
o risco de produzi-lo (art. 18, l). Vontade e representação são os dois
elementos essenciais para que haja dolo e para a configuração dos crimes desta
modalidade.
3.2 -
Dolo Direto e Dolo Eventual
A
doutrina costuma classificar o dolo em direto e eventual, admitindo alguns
autores a subdivisão do primeiro em dolo direto de primeiro e segundo grau,
quando o
resultado é desejado com fim direto ou quando
este resultado é consequência
necessária do meio eleito, como na hipótese em que
existe relação necessária entre o meio e o resultado pretendido pelo agente na
sua conduta típica. Se este sabe que a ação
necessariamente acarreta resultado concomitante
e, não obstante, pratica a ação, quer, por certo, também este resultado.
ÁLVARO
MAYRINK DA COSTA, Direito
Penal, Parte Geral, Forense, 3. ed., 1991, vol.
l, T. l, p. 725, admite a existência do dolo direto, nele abrangido o chamado dolo de consequências necessárias, e, noutra classe, o dolo eventual que existe "quando o autor representa o
resultado como relativamente provável e inclui essa probabilidade na vontade
realizadora (assume o risco de sua realização)". Cita, também, o caso dos
mendigos russos que mutilavam crianças para excitar a compaixão pública.
Naquelas circunstâncias, informa o autor, algumas crianças vinham a falecer e,
obviamente, se os mendigos viessem a saber que as crianças poderiam vir a
morrer, jamais as mutilariam, pois de nada lhes serviriam mortas. Não
aceitavam, diretamente, a morte das crianças, porém, sabendo que poderiam vir a
falecer diante das mutilações, aceitaram
a possibilidade do resultado (ob. cit, p.
723).
Já
o dolo eventual existe quando o agente assume o risco de produzir
o resultado (CP, art.18, l, parte final). Nele a vontade não se dirige ao
resultado, mas sim à conduta, com previsão de que esta pode produzir aquele. O
agente percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o
comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere o agente
que este se produza (DAMÁSIO DE JESUS, Comentários
ao Código Penal, Parte Geral, vol.
l, Saraiva, 86, p. 318).
Para
a subsistência do dolus
eventualis é necessário que o
agente, tendo previsto o resultado, ainda que somente possível, haja aceitado o
risco de sua produção e desde que não tenha agido com a segura convicção de que
aquele não ocorreria (FRANCESCO ANTOLISEI, Manuele di Diritto Penale, Parte
Generale, Giufrè, 1991, vol. l, p. 309). Para
exemplificar, quem fuma nas vizinhanças de material inflamável e prevê como
possível um incêndio e, malgrado tal previsão, continua a fumar, sem ter
absoluta segurança de que o incêndio não se produzirá, porém aceitando o risco
da sua conduta, consente, implicitamente também com o incêndio (DELITALA, Do/o eventuale e colpa cosciente, Annuario Univ. Cattolica di Milano,
1932).
Outro
exemplo tem-se no caso de Tido que, desejando a morte de Caio, prevê, como
possível, atingir mortalmente Semprônio, que está ao lado daquele, e, todavia,
aceitando o risco da sua conduta, dispara, acabando por atingir Semprônio.
3.3 -
Dolo Eventual nos Crimes Omissivos
Nos
crimes omissivos ou de omissão própria, o sujeito viola um comando de ação, ou
seja, não faz aquilo que deve fazer, porém em confronto com um indefectível predicado normativo. FRAGOSO, Lições,
vol. L, p, 238, adepto da teoria em
comento, acrescenta que "a omissão, sendo abstenção de atividade que o
agente podia e devia realizar, não é
mero não fazer, mas não fazer algo que, nas
circunstâncias, era ao agente imposto pelo
direito e que lhe era possível submeter ao seu
poder final de realização", sendo o conceito da omissão necessariamente
normativo, pressupondo a e istência de uma norma que imponha a ação omitida. Ou
seja, a conduta havida é julgada em relação de contradição com uma norma que,
se não existisse, impediria valorar o comportamento humano (vide PAULO JOSÉ DA
COSTA JÚNIOR, Comentários
ao Código Penal, Parte Geral, vol.
l, Saraiva, 89, p. 51).
Nossa
legislação prevê apenas crimes omissivos próprios dolosos (FRAGOSO,
Lições, cit., p. 239). Indaga-se: ser/a admissível o dolo eventual nos crimes
omissivos próprios? O Código Penal
diz que o crime é doloso quando o agente quis o RESULTADO ou assumiu o risco de
produzi-lo. A princípio, pareceu ao legislador somente admitir crimes dolosos
nas condutas de ação e resultado. Não se referiu ao dolo nos crimes de omissão
própria.
Sucede
que também estes podem ser cometidos dolosamente (e somente com dolo), não
obstante não se possa falar em resultado,
como modificação no mundo físico. É que
nos delitos de simples atividade (ou desobediência, cf. Binding), em que não existe resultado, "o dolo é representação, vontade e
consciência da ilicitude da ação" (MAGALHÃES
NORONHA, Direito Penal, vol. L, Saraiva, p. 135).
Entretanto,
nos crimes de conduta omissiva própria, para que subsista o dolo, é suficiente
que o sujeito tenha a conduta omissiva e, além desta, tenha-se recusado a
ter a conduta comandada pela norma.
A
pergunta principal ainda não se encontra respondida. Do conceito de dolo
eventual, porém, extrai-se que o mesmo requer uma conduta positiva, um facere
que, conduzido pela vontade, deságüe na
produção de um outro evento ao qual o agente anuiu, aquiesceu, assumiu o risco
de causá-lo.
Ou
seja, basta que o réu tenha previsto como possível, o resultado, aceitando-o
como possível, AGINDO a custo de determiná-lo. O chamado doius eventualis, pois, requer uma CONDUTA POSITIVA,
um facere, um operar no mundo externo fático, que conduza à
produção do resultado antijurídico. Não
se compadece, pois, com os crimes
omissivos próprios. A natureza da omissão dolosa requer o dolo
direto. A tese sustentada encontra respaldo no direito positivo. Existem,
também, outros crimes que não podem ser
praticados com dolo eventual porque a conduta
típica o exclui. Ex.: receptação, art. 180 CP, denunciação caluniosa, art. 339
CP, etc. (FRAGOSO, Lições,
p. 178). Além destes, os crimes omissivos
próprios também inadmitem a prática com dolo eventual. Já nas
chamadas fórmulas
de Frank para forjar-se o conceito de do o
eventual, pode-se divisar, inequivocamente, a exigência de uma conduta
eminentemente positiva: "seja assim ou de
outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer
caso, AGIREI".
Esta
indiferença, que particularmente configura o dolo eventual,
somente ocorre quando o sujeito AGE, reúne suas forças numa conduta positiva,
após prever que, dela, o resultado conexo e possível poderá advir. Nos crimes
omissivos, o sujeito não faz aquilo que podia e devia fazer, contrapondo-se ao
imperativo legal. Não pode, pois, agir com dolo eventual, que somente tipifica
crimes comissivos, ou seja, de ação e resultado.
3.4 -
Dolo Eventual nos Crimes Comissivos por Omissão
Os
crimes comissivos por omissão são aqueles em que o sujeito, mediante uma
omissão, permite a produção de um resultado posterior, que os
condiciona , não havendo relação de causalidade física alguma entre a omissão e
o resultado. O que a lei dispõe, com efeito, é sobre a relevância da omissão, ou equiparação
desta à ação. O sujeito responde
pelo resultado não porque o causou com a omissão, mas porque não o impediu, realizando
a conduta a que estava obrigado.
Os
crimes comissivos por omissão ou omissivos impróprios não são, como geralmente
se supõe, crimes comissivos. "São crimes omissivos em que a punição surge,
não porque o agente tenha causado o resultado (não há causalidade alguma na omissão), mas porque não o evitou.
Parte
da doutrina aceita a adjetivação dos crimes omissivos impróprios como sendo de omissão qualificada, justamente porque a condição de garante da
não superveniência do resultado está limitada, num dado círculo de autores,
pela lei.
Embora
sem referir-se, expressamente, à existência ou não de relação de causalidade
nos crimes comissivos por omissão, ALFREDO DE MARSICO, Diritto
Penale, Jovene, 1969, Parte Generale, n. 69, p.
98, informa que a obrigação de ativar-se ocorre não só por força de lei, mas,
também, em decorrência de um costume ou de uma
norma de prudência comum.
Ponto
concorde, porém, na doutrina é que os crimes em questão, ditos omissivos
impróprios, estão abrangidos na classe maior dos crimes de omissão, sendo
também denominados delitos de não impedimento.
Interessante
estudo sobre a multiplicaçãoun iversal dos crimes omissivos no direito penal é
feito pelo Prof. MANTOVANI, ob. cit, p. 165. Observa o A. Que,
tradicionalmente, o direito penai é um direito repressivo, ou seja, de
proibições, constituído de crimes de ação e, excepcionalmente, de crimes de
omissão. Nos Estados totalitários, constituindo-se a liberdade uma exceção e a
coação a regra, finalizando o indivíduo em função dos
interesses superiores e absorventes, impõe o
Estado uma série de obrigações comportamentais em razão da sua posição no
âmbito da comunidade, terminando o
ordenamento totalitário por ser, também, de
comandos.
A
tendência expansiva dos
crimes omissivos é, a outro lado,
uma característica da passagem do Estado liberal ao Estado social de direito ou
solidarístico, o qual, absorvendo novos deveres em amplas esferas, impõe aos
cidadãos a obrigação de determinadas ações, voltadas ao conseguimento de
algumas finalidades que assume como próprias, quais sejam, antes de tudo, o
cumprimento dos deveres de solidariedade
do corpo social, em vista de uma homogeneização
econômico-polítíco-social. Mostra o A. que o recurso aos tipos legais omissivos
corresponde, de outra forma, a uma exigência imposta pela sempre maior
complexidade da vida de relação, causada também pelo progresso tecnológico e da
sempre mais complicada mecanização, que comportam a
emanação de um sempre maior número de normas
cautelares de conduta, cuja violação consiste, quase sempre, em omissões (ex.:
normas em matéria de circulação, tráfego
e segurança do trabalho).
No
aspecto que interessa ao âmbito do estudo, resta a indagação feita a propósito
dos crimes omissivos puros, ou seja, se a classe dos crimes comissivos por
omissão admite o dolo eventual.
Integrando
os delitos sub examen a subespécie dos delitos omissivos, evidentemente
que o dolo requer representação e vontade diretas de não-ativação,
ou
seja, da vontade de não realizar a ação impeditiva do evento. Não admitem, pois, tal como os
delitos de pura omissão, a prática através de dolo eventual. Após informar que
nos delitos omissivos próprios
o dolo é constituído: a) pela representação
do pressuposto do dever de agir (encontro de um corpo inanimado; notícia de
crime); b) da vontade de não cumprir a ação devida (idónea e possível), ou
seja, de não fazer concomitantemente ao final do termo ou em colocar-se, de
antemão, na impossibilidade de cumprir o dever.
Esta
parece ser a posição assumida por FRAGOSO, Lições, Parte Geral, n.
225, que, sobre os aspectos subjetivos da omissão, frisava:
"Nos crimes comissivos por omissão dolosos, a parte subjetiva do
comportamento requer
vontade de realização da conduta diversa,
que corresponde à vontade de omitir a ação
devida. Como nota Welzel, o que costumamos chamar de omissão querida é, em realidade, um
omitir consciente, ou seja, uma omissão com a consciência do poder de
atuar. O dolo deve corresponder, nos
crimes omissivos puros, à vontade consciente de
abstenção da atividade devida. Nos crimes
comissivos por omissão, a ele deve
corresponder, além disso, também o desejo
de atingir o resultado através da omissão,
tendo o agente consciência de que ocorrem
as circunstâncias de fato que fundamentam a
sua posição de garantidor."
Em
todas as fases, pois, do desenvolvimento da conduta, requer-se,
quando se trata de crime comissivo por omissão, dolo direto, tanto no que pertine ao momento
cognoscitivo (representação), quanto no volitivo
(vontade direta de não ativar-se ou cumprir a ação impeditiva do evento)
(MANTOVANI, ob. cit, p. 324). Em conclusão,
também os delitos omissivos impróprios não podem
praticarse enão com dolo direto, excluído o dolo eventual.
3.5 -
Tentativa e Dolo Eventual
Nos
crimes que admitem o cometimento sob forma de dolus eventualis também a
tentativa deve admitirse. Ou seja, é suficiente
para a subsistência da tentativa, além do dolo direto, o dolo eventual.
Não
pode ser negada a existência de tentativa de homicídio com dolo eventual no
caso do motorista inabilitado que, embriagado, e dirigindo em via movimentada
num grande centro urbano, imprime velocidade excessiva ao automóvel, fazendo,
ainda, manobras perigosas em ziguezague,
levando-o a capotar e atropelar dois
passantes, sendo que um deles morre e outro sai gravemente ferido. Restando
apurada a existência do dolo eventual, os ferimentos ocasionados numa das
vítimas somente poderiam ser atribuídos a título de tentativa, sob a forma de
dolo eventual e em concurso com homicídio também doloso. Ou seja, o agente
responderia por homicídio doloso (decorrente de dolo eventual), em concurso com
tentativa de homicídio. Sendo o dolo único, e não podendo ser fracionado, o
resultado menos grave deverá ser imputado a titulo de conatus.
3.6
Dolo Eventual e Culpa Consciente
Questão
complexa, em doutrina e jurisprudência, a diferenciação entre o dolo eventual e a culpa consciente . Vários critérios têm sido utilizados para a
individualização de ambos os elementos, valendo citar: 1) critério da doutrina
finalista; 2) o critério da predisposição ou não de medidas destinadas a
impedir o evento; 3) teoria da representação; 4) teoria do atteggiamento interiore e, enfim, 5) o critério do consenso hipotético
(MANTOVANI, ob. cit, p. 321/322).
E,
contra os quais se objeta: 1) a teoria finalista da ação é esta incapaz de
diferenciar o dolo eventual da culpa consciente: ou se põe como pedra de toque
a finalidade real, faltante em ambas as modalidades, ou a finalidade potencial (dominabilidade do evento previsto), presente em
ambas; 2) o critério da predisposição de meios ou medidas destinadas ao
impedimento do evento não convence, porque é admissível a possibilidade de dolo
eventual, não obstante a predisposição daqueles meios (ex: caso de quem,
colocada a bomba para fins intimidatórios, procure, sem êxito, afastar os
presentes), bem como é admissível a possibilidade da culpa consciente, não
obstante a falta de adoção das medidas de cautela; 3) a teoria da representação
também não resolve o problema, porque, objeta-se, dolo não é somente
representação, mas vontade. De outra
forma, dever-se-ia admitir a existência de culpa com respeito a todos os crimes
culposos, praticados no desenvolvimento de atividades perigosas (circulação
estradai; atividades industriais perigosas); 4) contra a teoria do atteggiamento ínteriore, que faz corpo sobre critérios emocionais, e para
a qual o dolo eventual requer um quid
pluris consistente na adesão interior ao evento
(aprovação, consenso, indiferença), enquanto a falta de tal adesão, ou seja, a
esperança da não-ocorrência do evento, dá lugar à culpa consciente, também não
pode prevalecer, porque o direito penal, centrado sobre bases objetivas , não
pode ter por escopo impedir meros estados interiores, mas concretas posições de
vontade; 5) o critério do consenso hipotético, pelo qual o dolo eventual
subsistirá sempre que se possa presumir que o agente teria igualmente agido,
ainda que se tivesse previsão do evento como consequência da conduta, porque
tal critério substitui, arbitrariamente, a natureza do dolo, como entidade
psicológica real, e posicionado sobre dados efetivos, por dados hipotéticos,
que são de mais árduo acertamento (MANTOVANI, Diritto Pena/e, cit, p.
322).
Por
isto, a diferenciação entre as duas formas de manifestação do elemento
subjetivo deve centrar-se sobre; o critério da aceitação do risco , havendo dolo eventual
quando a vontade não se dirige face ao evento,
mas quando o agente o aceita, como consequência eventual, acessória da; própria
conduta (Cf. MANTOVANI, ob. cit, p. 320/1).
O evento pode dizer-se consentido: a) quando o
agente representa pelo menos a possibilidade positiva de seu verificar-se; b)
permanece na convicção, ou somente na dúvida de que aquele possa ocorrer; c)
tem, não obstante, a conduta, mesmo que a custo de ocasionar o evento, e, por
isto, aceitando o risco da superveniência causal.
Já
na culpa consciente, embora tenha o agente previsto o evento, age com
a segura convicção de que o mesmo não ocorrerá; ou seja, o agente não aceita a
produção do resultado que entrou em seu conhecimento.
4. CRIMES CULPOSOS:
4.1. Conceito
de culpa
Apesar de longa elaboração
doutrinária, não se chegou ainda a um conceito perfeito de culpa em sentido
estrito, e, assim, do crime culposo. Por essa razão, mesmo com a reforma da
Parte Geral, a lei limita-se a prever as modalidades da culpa, declarando o
art. 18, inciso II, que o crime é culposo "quando o agente deu causa ao
resultado por imprudência, negligência ou imperícia".
Para o Código Penal Tipo para a
América Latina, no art. 26, "age com culpa quem realiza o fato legalmente
descrito por inobservância do dever de cuidado que lhe incumbe, de acordo com
as circunstâncias e suas condições pessoais, e, no caso de representá-lo como
possível, se conduz na confiança de poder evitá-lo". Tem-se conceituado na
doutrina o crime culposo como a conduta voluntária (ação ou omissão) que produz
resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente
previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado.
São assim elementos do crime
culposo:
a)
a conduta;
b)
a inobservância do dever de cuidado objetivo;
c)
o resultado lesivo involuntário;
d)
a previsibilidade; e
e)
a tipicidade.
4.2. Conduta
Enquanto nos crimes dolosos a
vontade está dirigida à realização de resultados objetivos ilícitos, os tipos
culposos ocupam-se não com o fim da conduta, mas com as conseqüências
anti-sociais que a conduta vai produzir; no crime culposo o que importa não é o
fim do agente (que é normalmente lícito), mas o modo e a forma imprópria com
que atua. Os tipos culposos proíbem, assim, condutas em decorrência da forma de
atuar do agente para um fim proposto e não pelo fim em si.
O elemento decisivo da ilicitude do
fato culposo reside não propriamente no resultado lesivo causado pelo agente,
mas no desvalor da ação que praticou. Se um motorista, por exemplo, dirige
velozmente para chegar a tempo de assistir à missa domingueira e vem a
atropelar um pedestre, o fim lícito não importa, pois agiu ilicitamente ao não
atender ao cuidado necessário a que estava obrigado em sua ação, dando causa ao
resultado lesivo (lesão, morte).' Essa inobservância do dever de cuidado faz
com que essa sua ação configure uma ação típica. A conduta culposa é, portanto,
elemento do fato típico.
A cada homem, na comunidade social,
incumbe o dever de praticar os atos da vida com as cautelas necessárias para
que de seu atuar não resulte dano a bens jurídicos alheios. Quem vive em
sociedade não deve, com uma ação irrefletida, causar dano a terceiro, sendo-lhe
exigido o dever de cuidado indispensável a evitar tais lesões. Assim, se o
agente não observa esses cuidados indispensáveis, causando com isso dano a bem
jurídico alheio, responderá por ele. É a inobservância do cuidado objetivo
exigível do agente que torna a conduta antijurídica.
Como muitas das atividades humanas
podem provocar perigo para os bens jurídicos, sendo inerentes a elas um risco
que não pode ser suprimido inteiramente sob pena de serem totalmente proibidas
(dirigir um veículo, operar um maquinismo, lidar com substâncias tóxicas etc.),
procura a lei estabelecer quais os deveres e cuidados que o agente deve ter
quando desempenha certas atividades (velocidade máxima permitida nas ruas e
estradas, utilização de equipamento próprio em atividades industriais,
exigência de autorização para exercer determinadas profissões etc.).
É impossível, porém, uma
regulamentação jurídica que esgote todas as possíveis violações de cuidados nas
atividades humanas. Além disso, às vezes a violação de uma norma jurídica não
significa que o agente tenha agido sem as cautelas exigíveis no caso concreto.
Quando não se pode distinguir pelas normas jurídicas se, em determinado fato
lesivo a um bem jurídico, foram obedecidas as cautelas exigíveis, somente se
poderá verificar o âmbito do cuidado exigido no caso concreto se forem
considerados os aspectos particulares relacionados com a ocorrência.
Essa verificação inclui a indagação
a respeito da possibilidade de reconhecimento do risco de causar uma lesão e da
forma que o agente se coloca diante dessa possibilidade. Deve-se confrontar a
conduta do agente que causou o resultado lesivo com aquela que teria um homem
razoável e prudente em lugar do autor. Se o agente não cumpriu com o dever de
diligência que aquele teria observado, a conduta é típica, e o causador do
resultado terá atuado com imprudência, negligência ou imperícia. É proibida e,
pois, típica, a conduta que, desatendendo ao cuidado, a diligência ou à perícia
exigíveis nas circunstâncias em que o fato ocorreu, provoca o resultado. A
inobservância do cuidado objetivo exigível conduz à antijuridicidade.
Tem-se afirmado que o fim da
conduta, nos crimes culposos, é penalmente irrelevante. Entretanto, é ele
inerente à própria ação e pode influir na modalidade de culpa com que atua o
sujeito. Supondo-se o fato de alguém sair de uma garagem dirigindo o veículo em
marcha à ré e atropelando um pedestre, a modalidade da ação culposa pode ser
determinada pelo fim da ação.
Se o motorista não observou as
cautelas necessárias porque desejava sair rapidamente de casa, haverá
imprudência; se, entretanto, o veículo foi posto em marcha à ré pelo agente
que, desconhecendo a posição da alavanca do câmbio porque era inábil, desejava
experimentar seu funcionamento, haverá imperícia. Outro exemplo: se um médico
efetua uma intervenção cirúrgica com o fim de testar uma técnica ainda não
explorada e ela se revela prejudicial, causando a morte do paciente, haverá
imprudência; se o fez porque supunha, erroneamente, que era a técnica adequada
para salvá-lo, haverá imperícia.
Em si mesma, a inobservância do
dever de cuidado não constitui conduta típica porque é necessário outro
elemento do tipo culposo: o resultado. Só haverá ilícito penal culposo se da
ação contrária ao cuidado resultar lesão a um bem jurídico. Se, apesar da ação
descuidada do agente, não houver resultado lesivo, não haverá crime culposo.
O resultado não deixa de ser um
"componente de azar" da conduta humana no crime culposo (dirigir sem
atenção pode ou não causar colisão e lesões em outra pessoa). Não existindo o
resultado (não havendo a colisão), não se responsabilizará por crime culposo o
agente que inobservou o cuidado necessário, ressalvada a hipótese em que a
conduta constituir, por si mesma, um ilícito penal (a contravenção de direção
perigosa de veículo, prevista no art. 34 da LCP, por exemplo). A exigência do
resultado lesivo para a existência do crime culposo justifica-se pela função
política garantidora que deve orientar o legislador na elaboração do tipo
penal.
Não haverá crime culposo mesmo que a
conduta contrarie os cuidados objetivos e se verifica que o resultado se
produziria da mesma forma, independentemente da ação descuidada do agente.
Assim, se alguém se atira sob as rodas do veículo que é dirigido pelo motorista
na contra-mão de direção, não se pode imputar a este o resultado (morte do
suicida). Trata-se, no caso, de mero caso fortuito.
Evidentemente, deve haver no crime
culposo, como em todo fato típico, a relação de causalidade entre a ação e o
resultado, obedecendo-se ao que dispõe a lei brasileira no art. 13 do CP.
O tipo culposo é diverso do doloso.
Há na conduta não uma vontade dirigida à realização do tipo, mas apenas um
conhecimento potencial de sua concretização, vale dizer, uma possibilidade de
conhecimento de que o resultado lesivo pode ocorrer. Esse aspecto subjetivo da
culpa é a possibilidade de conhecer o perigo que a conduta descuidada do
sujeito cria para os bens jurídicos alheios, e a possibilidade de prever o
resultado conforme o conhecimento do agente. A essa possibilidade de
conhecimento e previsão dá-se o nome de previsibilidade.
A previsibilidade - como anota
Damásio - é a possibilidade de ser antevisto o resultado, nas condições em que
o sujeito se encontrava. Exige-se que o agente, nas circunstâncias em que se
encontrava, pudesse prever o resultado de seu ato. A condição mínima de culpa
em sentido estrito é a previsibilidade; ela não existe se o resultado vai além da
previsão.
A rigor, porém, quase todos os fatos
naturais podem ser previstos pelo homem (inclusive de uma pessoa poder
atirar-se sob as rodas do automóvel que se está dirigindo). É evidente, porém,
que não é essa previsibilidade em abstrato de que se fala. Se não se interpreta
o critério de previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o
resultado lesivo sempre seria atribuído a seu causador.
Não se pode confundir o dever de
prever, fundado na diligência ordinária de um homem qualquer, com o poder de
previsão. Diz-se, então, que estão fora do tipo penal dos delitos culposos os
resultados que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não
sendo culposo o ato quando o resultado só teria sido evitado por pessoa
extremamente prudente. Assim, só é típica a conduta culposa quando se puder
estabelecer que o fato era possível de ser previsto pela perspicácia comum,
normal dos homens.
Os homens, porém, são distintos no
que concerne à inteligência, sagacidade, instrução, conhecimentos técnicos
específicos etc., variando a condição de prever os fatos em cada um. Assim, a
previsibilidade, segundo a doutrina, deve ser estabelecida também conforme a
capacidade de previsão de cada indivíduo. A essa condição dá-se o nome de
previsibilidade subjetiva. Verificado que o fato é típico diante da
previsibilidade objetiva (do homem razoável), só haverá reprovabilidade ou
censurabilidade da conduta (culpabilidade) se o sujeito pudesse prevê-la
(previsibilidade subjetiva).
Há que se atentar, porém, para o
princípio do risco tolerado. Há comportamentos perigosos imprescindíveis, que
não podem ser evitados e, portanto, não podem ser tidos como ilícitos (médico
que realiza uma cirurgia em circunstâncias precárias podendo causar a morte do
paciente; piloto de corridas que pelas condições da pista pode fazer seu
veículo derrapar e causar a morte de espectadores etc.).
A previsibilidade também está
sujeita ao princípio da confiança. O dever objetivo de cuidado é dirigido a
todos, de comportarem-se adequadamente, não se podendo exigir que as pessoas
ajam desconfiando do comportamento de seus semelhantes. Assim, o motorista tem
a confiança, espera (ação esperada), que o pedestre não atravesse a rua em
local ou momento inadequado, sem olhar para os veículos que ali trafegam. Se
ele o faz, sendo colhido pelo automóvel, inexiste a culpa. Para a determinação
em concreto da conduta correta de um, não se pode, portanto, deixar de
considerar aquilo que seria lícito, nas circunstâncias, esperar-se de outrem,
ou melhor, da própria vítima.
Se o fato for previsível, pode o
agente, no caso concreto, prevê-lo ou não. Não tendo sido previsto o resultado,
existirá a chamada culpa inconsciente; se previsto, pode ocorrer a culpa
consciente ou dolo eventual. Inexistente a previsibilidade, não responde o
agente pelo resultado, ou seja, inexiste o crime culposo.
Essa
colocação doutrinária, para nós, não é perfeita. Em primeiro lugar, por se
fundar a previsibilidade objetiva em uma abstração (homem razoável, homem
médio, homem padrão, homem modelo etc.) que não se consegue caracterizar
suficientemente. Em segundo porque fica excluída a tipicidade do fato praticado
por alguém que, por suas qualificações, tem maiores possibilidades de prever o
resultado que o homem comum (um piloto de corridas ou um motorista
profissional, em se tratando da previsão com relação a problemas de trânsito,
um eletricista no que diz respeito aos perigos de máquinas movidas a energia
elétrica, o químico quanto às substâncias tóxicas etc.). Adotando-se a teoria
exposta, não há fato típico se praticado pela pessoa mais qualificada, embora
por suas condições pudesse prever o resultado e operar com maiores cuidados do
que os exigidos do homem comum. Por essa razão, estamos com Zaffaroni quando
afirma que a previsibilidade deve ser estabelecida conforme a capacidade de
previsão de cada indivíduo, sem que para isso se tenha de recorrer a nenhum
"termo médio" ou "critério de normalidade". Assim, pode
haver ou não tipicidade conforme a capacidade de prever do sujeito ativo. A
previsibilidade subjetiva é, para nós, elemento psicológico (subjetivo) do tipo
culposo.
4.6. Tipicidade
Nos crimes culposos a ação não está
descrita como nos crimes dolosos. São normalmente tipos abertos que necessitam
de complementação de uma norma de caráter geral, que se encontra fora do tipo,
e mesmo de elementos do tipo doloso correspondente. Assim, a lei brasileira
prevê no art. 129, § 6°: "Se a lesão é culposa: Pena-detenção, de dois
meses a um ano" e no art. 250, § 2°: "Se culposo o incêndio, a pena é
de detenção, de seis meses a dois anos", exigindo-se para a adequação do
fato a esses tipos penais a complementação prevista no art. 18, inciso II
(conceito legal para o entendimento do crime culposo), no art. 129, caput (que
prevê a lesão corporal como ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem)
e também, no art. 250, caput (que prevê na conceituação do incêndio a exposição
de perigo à vida, à integridade física ou ao patrimônio de outrem).
A tipicidade nos crimes culposos
determina-se através da comparação entre a conduta do agente e o comportamento
presumível que, nas circunstâncias, teria uma pessoa de discernimento e
prudência ordinários. É típica a ação que provocou o resultado quando se
observa que não atendeu o agente ao cuidado e à atenção adequados às
circunstâncias.
Em suma, a culpa, à semelhança do dolo, é uma
atitude contrária ao dever; portanto, reprovável da vontade.
As modalidades de culpa, ou formas
de manifestação da falta do cuidado objetivo, estão discriminadas no art. 18,
inciso II: imprudência, negligência ou imperícia.
A imprudência é uma atitude em que o
agente atua com precipitação, inconsideração, com afoiteza, sem cautelas, não
usando de seus poderes inibidores. Exemplos: manejar ou limpar arma carregada
próximo a outras pessoas; caçar em local de excursões; dirigir sem óculos
quando há defeito na visão, fatigado, com sono, em velocidade incompatível com
o local e as condições atmosféricas etc.
A negligência é inércia psíquica, a
indiferença do agente que, podendo tomar as cautelas exigíveis, não o faz por
displicência ou preguiça mental. Exemplos: não colocar avisos junto a valetas
abertas para um reparo na via pública; não deixar freiado automóvel quando
estacionado; deixar substância tóxica ao alcance de crianças etc.
A imperícia é a incapacidade, a
falta de conhecimentos técnicos no exercício de arte ou profissão, não tomando
o agente em consideração o que sabe ou deve saber. Exemplos: não saber dirigir
um veículo, não estar habilitado para uma cirurgia que exija conhecimentos
apurados etc. A imperícia pressupõe sempre a qualidade de habilitação legal
para a arte (motorista amador, por exemplo) ou profissão (motorista
profissional, médico, engenheiro etc.). Havendo inabilidade para o desempenho
da atividade fora da profissão (motorista sem carta de habilitação, médico não
diplomado etc.), a culpa é imputada ao agente por imprudência ou negligência,
conforme o caso. São imprudentes o motorista não habilitado legalmente que não
sabe dirigir, o curandeiro que pratica intervenção cirúrgica etc.
Além de serem imprecisos os limites
que distinguem essas modalidades de culpa, podem elas coexistir no mesmo fato.
Poderá haver imprudência e negligência (pneus gastos que não foram trocados e
excesso de velocidade), a negligência e a imperícia (profissional incompetente
que age sem providências específicas), a imperícia e a imprudência (motorista
canhestro recém-habilitado que dirige em velocidade incompatível com o local)
etc.
De especial interesse é o crime
culposo nos casos de médicos, cirurgiões e outros profissionais. Haverá
negligência se o profissional esquecer um instrumento no abdômen do paciente,
quando de intervenção cirúrgica, ou trocar, por engano, a dosagem do remédio na
receita; haverá imprudência quando procurar técnica mais difícil e não testada
para delicada intervenção ou para a construção de uma ponte etc. É necessário,
entretanto, que se distinga a culpa do chamado erro profissional.
Este ocorre quando, empregados os
conhecimentos normais da Medicina, por exemplo, chega o médico à conclusão
errada no diagnóstico, intervenção cirúrgica etc., não sendo o fato típico.
Segundo a doutrina e a jurisprudência, só a falta grosseira desses
profissionais consubstancia a culpa penal, pois exigência maior provocaria a
paralisação da Ciência, impedindo os pesquisadores de tentarem métodos novos de
cura, de edificações etc.
4.8. Espécies
de culpa
Refere-se a doutrina à culpa
inconsciente e à culpa consciente, também chamada culpa com previsão.
A culpa inconsciente existe quando o
agente não prevê o resultado que é previsível. Não há no agente o conhecimento
efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem jurídico alheio.
A culpa consciente ocorre quando o
agente prevê o resultado, mas espera, sinceramente, que não ocorrerá. Há no
agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta por
entender que o evitará, que sua habilidade impedirá o evento lesivo que está
dentro de sua previsão. Exemplo clássico dessa espécie de culpa é o do caçador
que, avistando um companheiro próximo do animal que deseja abater, confia em
sua condição de perito atirador para não atingi-lo quando disparar, causando,
ao final, lesões ou morte da vítima ao desfechar o tiro.
A culpa consciente avizinha-se do
dolo eventual, mas com ela não se confunde. Naquela, o agente, embora prevendo
o resultado, não o aceita como possível. Neste, o agente prevê o resultado, não
se importando que venha ele a ocorrer. Pela lei penal estão equiparadas a culpa
inconsciente e a culpa com previsão, "pois tanto vale não ter consciência
da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas
confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá".' Já
quanto ao dolo eventual, este se integra por estes dois componentes -
representação da possibilidade do resultado e anuência a que ele ocorra,
assumindo o agente o risco de produzi-lo. Igualmente, a lei não o distingue do
dolo direto ou eventual, punindo o autor por crime doloso.
Distingue-se, ainda, a culpa
própria, em que o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo,
da culpa imprópria, também denominada culpa por extensão, equiparação ou
assimilação. Deriva esta do erro de tipo inescusável, do erro inescusável nas descriminantes
putativas ou do excesso nas causas justificativas. Nessas hipóteses, o sujeito
quero resultado, mas sua vontade está viciada por um erro que poderia, com o
cuidado necessário, ter evitado. Assinala Damásio que a denominação é
incorreta, uma vez que na chamada culpa imprópria se tem, na verdade, um crime
doloso e que o legislador aplica a pena do crime culposo. O tratamento do fato
como crime culposo justifica-se porque o agente deu causa ao resultado por não
atender ao cuidado objetivo que dele se exigia na prática do ato.
Diz-se que a culpa é presumida
quando, não se indagando se no caso concreto estão presentes os elementos da
conduta culposa, o agente é punido por determinação legal, que presume a
ocorrência dela. Na legislação anterior ao CP de 1940 ocorria punição por crime
culposo quando o agente causasse o resultado apenas por ter infringido uma
disposição regulamentar (dirigir sem habilitação legal, acima do limite
estabelecido na rodovia etc.), ainda que não houvesse imprudência, negligência
ou imperícia. A culpa presumida, forma de responsabilidade objetiva, já não é
prevista na legislação penal. Assim, a culpa deve ficar provada, não se
aceitando presunções ou deduções que não se alicercem em prova concreta e
induvidosa.
A inobservância de disposição
regularmentar poderá, entretanto, caracterizar uma contravenção (art. 32 da
LCP, por exemplo) ou apenas um ilícito administrativo (dirigir em velocidade
proibida, por exemplo).
4.9. Graus
da culpa
Distinção do Direito Romano é a
derivada do grau da culpa: grave (ou lata), leve e levíssima, de acordo com a
maior ou menor possibilidade de previsão do resultado e mesmo dos cuidados
objetivos tomados ou não pelo sujeito. Esses graus, não distinguidos
expressamente na lei, têm interesse somente na aplicação da pena. Embora a lei
nova já não se refira ao grau de culpa como uma das circunstâncias que devem
ser aferidas pelo juiz para a fixação da pena, deve ser ela levada em
consideração como uma das circunstâncias do fato (art. 59).
Tem-se entendido que está isento de
responsabilidade o agente que dá causa ao resultado com culpa levíssima. Tal
distinção é fundada na afirmação de que o evento, na hipótese de culpa
levíssima, só poderia ser evitado se seu causador atuasse com atenção extraordinária,
o que equivaleria praticamente ao caso fortuito. Em sentido contrário, porém,
manifestam-se alguns doutrinadores diante do silêncio da lei penal a respeito
do assunto. A distinção perde seu interesse já que estará excluída a
responsabilidade penal quando o agente atuou com as cautelas a que estava
obrigado em decorrência de suas condições pessoais.
Ao contrário do que ocorre no
Direito Civil, as culpas não se compensam na área penal.4 Havendo culpa do agente
e da vítima, aquele não se escusa da responsabilidade pelo resultado lesivo
causado a esta. A imprudência do pedestre que cruza a via pública em local
inadequado não afasta a do motorista que, trafegando na contramão, vem a
atropelá-lo.
Em matéria criminal, a culpa
recíproca apenas produz efeitos quanto à fixação da pena (o art. 59 alude ao
"comportamento da vítima" como uma das circunstâncias a serem
consideradas), ficando neutralizada a culpa do agente somente quando
demonstrado inequivocamente que o atuar da vítima tenha sido a causa exclusiva
do evento. Sendo o evento decorrente de culpa exclusiva da "vítima",
evidentemente não há ilícito culposo a ser considerado.
Há concorrência de culpas quando
dois ou mais agentes (excetuada a co-autoria, em que deve haver um liame
psicológico entre eles) causam resultado lesivo por imprudência, negligência ou
imperícia. Todos respondem pelos eventos lesivos. 7 Uma tríplice colisão, em
que ocorra lesões corporais ou morte, por exemplo, os motoristas que agiram culposamente
(velocidade incompatível com o local, imperícia na manobra, reflexos lentos em
decorrência de sono ou fadiga etc.) serão responsabilizados pelo resultado.
4.11. Excepcionalidade
do crime culposo
Nos termos do art. 18, parágrafo
único, os crimes são, regra geral, dolosos. Assim, em princípio, o agente só
responde pelos fatos que praticar se quis realizar a conduta típica. Ocorrerá,
entretanto, crime culposo quando o fato for expressamente previsto na lei, na
forma culposa. Há homicídio culposo (art. 121, § 39), lesões corporais culposas
(art. 129, § 6°), incêndio culposo (art. 250, § 2°) etc., mas não, por exemplo,
dano culposo, já que o art. 163 somente prevê a forma dolosa para quem
destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.