sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS



DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

SURGIMENTO E FINALIDADE DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:

Os direitos fundamentais, também conhecidos como direitos humanos ou liberdades públicas, surgiram com a necessidade de proteger o homem do poder estatal, a partir dos ideais advindos do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, mais particularmente com a concepção das Constituições escritas. Na seara do Direito Privado, tais direitos são conhecidos como direitos personalíssimos, direitos da personalidade ou mesmo direitos sobre a própria pessoa.
É importante mencionar, contudo, que os primeiros documentos que visaram à limitação do poder estatal surgiram antes mesmo do Iluminismo, ainda na Idade Média. Trata-se da magna carta assinada em 1215 pelo Rei João Sem Terra, e da Petition of Rights, de 1629, imposta a Carlos I, ambas reconhecendo direitos aos súditos, como condição para que os monarcas pudessem continuar em seus tronos.
Carlos Mário da Silva Velloso (1998, p. 115) nos lembra de que a Constituição da Virgínia, de 1776, foi a primeira Constituição escrita a reconhecer, expressamente, a existência de direitos individuais a serem protegidos pelo Estado. Ressalta, contudo, que não foi o documento de maior repercussão, papel que coube à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, de 1789.
É importante mencionar também que, além daquela função de proteger o homem de eventuais arbitrariedades cometidas pelo Poder Público, hipótese em que são conhecidos como liberdades negativas, os direitos fundamentais também se prestam a compelir o Estado a tomar um conjunto de medidas que impliquem melhorias nas condições sociais dos cidadãos. Nesta última hipótese, são também denominadas liberdades positivas.

CATEGORIAS DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:

DIREITOS DE PRIMEIRA, SEGUNDA, TERCEIRA, QUARTA E QUINTA DIMENSÕES (GERAÇÕES):
A doutrina mais atual costuma dividir os direitos fundamentais em 3 (três) categorias: Direitos e garantias fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações.  Contudo, alguns doutrinadores, como, por exemplo, Paulo Bonavides, afirmam existir 5 (cinco) categorias.  Alexandre de Moraes (2006, p. 26) nos lembra de que referida classificação tem em conta a ordem histórico-cronológica em que referidos direitos fundamentais passaram a receber expresso amparo das Constituições.
Os direitos fundamentais de 1ª dimensão são os direitos individuais e políticos. Os direitos individuais são também denominados, pela doutrina, liberdades clássicas, negativas ou formais. Os direitos políticos, por sua vez, são também conhecidos por liberdades-participação.
Os direitos de 2ª dimensão são os diretos sociais, econômicos e culturais. Referidos direitos têm por escopo diminuir as desigualdades sociais, notadamente proporcionando proteção aos mais fracos. Parte da doutrina também os denomina liberdades concretas, positivas ou reais. Estão incluídos nesta categoria, por exemplo, os direitos relacionados ao trabalho, à saúde, à previdência social e à proteção à velhice.
Os direitos de 3ª dimensão, por sua vez, são os direitos coletivos em sentido amplo (também conhecidos como interesses transindividuais ou metaindividuais), gênero em que estão incluídos os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneo, todos definidos pelo artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. Podemos citar como exemplo desta categoria o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Já se tornou célebre a relação que Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1995, p. 57) fez entre as três gerações de direitos e garantias fundamentais e o lema da Revolução Francesa. Segundo esse renomado autor, os de primeira geração seriam os relativos à liberdade; os de segunda, os relacionados à igualdade; e os terceira, à fraternidade.

Dimensão de direitos
Princípios da revolução Francesa
Direitos constitucionalmente reconhecidos
1ª Dimensão
Liberdade
Direitos civis e políticos.
2ª Dimensão
Igualdade
Direitos sociais, econômicos e culturais.
3ª Dimensão
Fraternidade ou solidariedade
Direitos difusos ou coletivos.

Direitos fundamentais da 4ª dimensão, segundo orientação de Norberto Bobbio, referida geração de direitos decorreria dos avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria existência humana, por meio da manipulação do patrimônio genético. Segundo o mestre italiano: “... já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.
Por outro lado, Bonavides afirma que “a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta dimensão, que, aliás, correspondem à verdadeira fase de institucionalização do Estado social”, destacando-se os direitos a: democracia (direta); informação; pluralismo.
Assim para Bonavides, os direitos da 4ª dimensão decorrem da globalização dos diretos fundamentais, o que significa universalizá-los no campo institucional.
Ingo Sarlet observa que “a proposta do Professor Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo, etc., como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade”.
Direitos fundamentais da 5ª dimensão, o direito à paz foi classificado por Karel Vasak como de 3ª dimensão.
Contudo, Bonavides entende que o direito à paz deve ser tratado em dimensão autônoma, chegando a afirmar que a paz é axioma da democracia participativa, ou, ainda, supremo direito da humanidade.    

CLASSIFICAÇÃO FORMULADA POR NOSSA CONSTITUIÇÃO:
A Constituição Federal de 1988 trata dos direitos fundamentais em seu Título II. Entretanto, ao invés de dividi-los em 3 (três) categorias, conforme classificação mencionada, preferiu fazê-lo em 5 (cinco): direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I – art. 5º), direitos sociais (Capítulo II – art’s 6º a 11), direitos da nacionalidade (Capítulo III – art’s. 12 e 13), direitos políticos (Capítulo IV – art’s 14 a 16) e direitos relacionados à organização e participação em partidos políticos (Capítulo V – art. 17).

DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
Distinção entre direito e garantia: o primeiro tem caráter declaratório, que imprime existência; o segundo, a seu turno, traz disposições assecuratórias. Vejamos um exemplo de cada instituto, extraído do próprio texto constitucional, para que a distinção fique mais clara.
Exemplo de direito nós o temos no artigo 5º, inciso IV, da Constituição, que declara que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Percebemos, no dispositivo constitucional em comento, seu inequívoco caráter declaratório, imprimindo existência a um determinado direito.
Como exemplo de garantia constitucional, podemos mencionar aquela inserida no mesmo artigo 5º, inciso V, da Carta Magna, que assegura “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Como se pode perceber referida norma garante uma prerrogativa a quem sofreu, indevidamente, algum dano patrimonial ou mesmo extrapatrimonial, em decorrência da manifestação do pensamento.
Não podemos deixar de mencionar, contudo, que é perfeitamente possível que, em um único dispositivo constitucional, estejam conjugados, a um só tempo, um direito e uma garantia constitucionais. É o caso, por exemplo, do artigo 5º, inciso X, da Carta Magna.
Com efeito, a primeira parte do dispositivo constitucional em comento (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”) enuncia alguns direitos, ao passo que a segunda (“assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”) garante o exercício daqueles direitos, ao prever uma indenização, caso sejam violados.
Devemos ressaltar também que, se a garantia não se mostrar capaz de assegurar o direito, num dado caso concreto, o cidadão tem à sua disposição um meio processual próprio para torna-lo efetivo, o chamado remédio constitucional, que alguns doutrinadores denominam garantia instrumental ou formal.
A Constituição Federal de 1988 possui, em seu corpo, 8 (oito) remédios expressos, que aparecem no texto na seguinte ordem: direito de petição (art. 5º XXXIV, a), direito de certidão (art. 5º XXXIV, b), habeas corpus (art. 5º LXVIII), mandado de segurança individual (art. 5º LXIX), mandado de segurança coletivo (art. 5º LXX), mandado de injunção (art. 5º LXXI), habeas data (art. 5º LXXII) e ação popular (art. 5º LXXIII).

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
Com algumas pequenas diferenças entre os autores que já analisaram o tema, costuma-se conceder aos direitos fundamentais, em síntese, as seguintes características: generalidade, extrapatrimonialidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade, imprescritibilidade e indisponibilidade.
Os direitos fundamentais são tidos por genéricos, por serem garantidos a todas as pessoas, sem possibilidade de exclusão injustificada de parcelas da sociedade. São, de outro lado, extrapatrimoniais, uma vez que não têm natureza econômica imediata. São também irrenunciáveis, já que seu titular não os pode renunciar de maneira alguma.
São considerados, de outro lado, intransmissíveis, por não se transmitirem com a morte do titular. São tidos, ademais, por imprescritíveis, em razão de não haver prazo para o seu exercício (não há que se falar em perda de tais direitos pelo não-uso). São por fim indisponíveis, uma vez que, em regra, não podem ser alienados.
É oportuno mencionar, neste momento, que os direitos da personalidade são considerados, pelos jusnaturalistas, como direitos inatos, por serem inerentes ao homem, pertencendo a este desde o seu nascimento, independentemente de previsão pelo ordenamento jurídico.
Esta característica, contudo, não é aceita pelos positivistas. Para estes, os direitos fundamentais não surgem em decorrência de uma ordem superior, preexistente à ordem jurídica, mas sim em razão da evolução histórica de uma determinada sociedade, quando passam a ser incluídos na legislação vigente.

CARÁTER RELATIVO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
A despeito de todas as características declinadas na seção anterior, que ressaltam a importância dos direitos fundamentais numa determinada ordem jurídica estatal, é importantíssimo ressaltarmos que referidos direitos e garantias fundamentais não são absolutos, ilimitados.
Com efeito, sempre que houver alguma possível colisão entre direitos fundamentais, não será possível conceder plena aplicação a ambos os direitos, havendo necessidade de mitigação de um deles, ou mesmo de ambos, para que prevaleça, no caso concreto, a solução que melhor se harmonize com o sistema constitucional como um todo.
Esta necessidade de compatibilizar a aplicação de direitos fundamentais em conflito é solucionada através da aplicação do princípio da relatividade ou da convivência das liberdades públicas, hoje também traduzida nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Colisão ou antinomia de direitos fundamentais, nós a temos, por exemplo, no possível conflito que pode surgir, num dado caso concreto, entre a liberdade de expressão da atividade de comunicação, independentemente de censura ou licença (artigo 5º, inciso IX, da Carta Magna) e a inviolabilidade do direito à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas, consagrada no inciso X do mesmo artigo da Constituição.
Devemos enfatizar, para encerrar este tópico, que, em decorrência do princípio da convivência das liberdades públicas, um indivíduo não poderá jamais invocar uma garantia constitucional para acobertar um comportamento ilícito, tentando afastar, com tal argumento, a indispensável aplicação da lei penal.

APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
Conforme expressamente disposto no artigo 5º, § 1º, de nossa Carta Magna, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Este comando constitucional nos elucida, de maneira clara e inequívoca, que todas as normas constitucionais que imprimam existência a direitos fundamentais, ou que garantam sua aplicação, são normas de eficácia plena, não dependendo da edição de qualquer lei infraconstitucional, para se tornarem auto-aplicáveis.
É neste diapasão, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou expressamente sobre a auto-aplicabilidade do mandado de injunção, permitindo a propositura desta ação constitucional, mesmo ainda não existindo uma norma infraconstitucional regulamentando a matéria.
Esclareçamos, por fim, que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais somente deixarão de ter aplicabilidade imediata, como dispõe o supramencionado artigo 5º, § 1º, quando o próprio texto constitucional condicionar a produção de seus efeitos à edição de norma regulamentadora.
É o caso, por exemplo, do disposto no artigo 5º, inciso XXVII, que concede ao autor o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, o qual será transmissível aos herdeiros daquele, pelo tempo que a lei fixar.

AO CARÁTER NÃO TAXATIVO DO ROL DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ELENCADOS NA CONSTITUIÇÃO:
Nos termos do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, “os direitos e garantias expressas nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Vê-se, portanto, que a Carta Magna não reconhece e confere legitimidade apenas a direitos e garantias inseridos em seu corpo, mas também a outros, fora de seu texto, mas que guardam conformidade com os princípios por ela adotados, ou com os tratados internacionais de que o Brasil seja signatário.
O artigo 5º, § 2º, da Carta Magna também nos permite perceber que, além dos direitos e garantias fundamentais expressos, a ordem constitucional vigente confere existência a outros, implícitos, desde que consentâneos com o sistema constitucional.
Citemos, como exemplo desta última afirmação, a efetiva existência do mandado de injunção coletivo (reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal), do princípio do non bis in idem (que proíbe duplo gravame em razão de um mesmo fato) e do princípio do nemo tenetur se detegere (privilégio contra a auto-incriminação, ou direito ao silêncio do acusado solto).
Não podemos deixar de mencionar, por fim, que o rol dos direitos e garantias fundamentais inseridos no próprio texto constitucional não se esgota na enumeração contida em seu artigo 5º. Outros há, fora do Título II (relativo aos direitos e garantias fundamentais).
É o caso, por exemplo, dos direitos que limitam o poder de tributar do Estado, contidos nos artigos 150 e seguintes da Constituição Federal, pertencentes ao Título VI da Carta Magna, que trata das normas sobre tributação e orçamento.

TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004:
A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou ao artigo 5º da Constituição Federal o § 3º, determinando expressamente que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Portanto, desde que tenham por objeto direitos humanos e que se submetem ao rito legislativo fixado no artigo 60 da Carta Magna, os tratados e convenções internacionais serão equivalentes às emendas constitucionais.
Com esse novo comando constitucional, o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que referidos atos normativos, após a edição do decreto legislativo, tornam-se normas infraconstitucionais, com força de lei ordinária, vale apenas para os que não tratarem de direitos humanos, e não forem submetidos ao rito de deliberação e aprovação próprio das emendas à Constituição.

AAFS

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