DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS
SURGIMENTO E FINALIDADE
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
Os
direitos fundamentais, também conhecidos como direitos humanos ou liberdades públicas,
surgiram com a necessidade de proteger o homem do poder estatal, a partir dos
ideais advindos do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, mais particularmente
com a concepção das Constituições escritas. Na seara do Direito Privado, tais
direitos são conhecidos como direitos personalíssimos, direitos da
personalidade ou mesmo direitos sobre a própria pessoa.
É
importante mencionar, contudo, que os primeiros documentos que visaram à
limitação do poder estatal surgiram antes mesmo do Iluminismo, ainda na Idade
Média. Trata-se da magna carta assinada em 1215 pelo Rei João Sem Terra, e da Petition of Rights, de 1629, imposta a
Carlos I, ambas reconhecendo direitos aos súditos, como condição para que os
monarcas pudessem continuar em seus tronos.
Carlos
Mário da Silva Velloso (1998, p. 115) nos lembra de que a Constituição da
Virgínia, de 1776, foi a primeira Constituição escrita a reconhecer,
expressamente, a existência de direitos individuais a serem protegidos pelo
Estado. Ressalta, contudo, que não foi o documento de maior repercussão, papel
que coube à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução
Francesa, de 1789.
É
importante mencionar também que, além daquela função de proteger o homem de
eventuais arbitrariedades cometidas pelo Poder Público, hipótese em que são conhecidos
como liberdades negativas, os direitos fundamentais também se prestam a compelir
o Estado a tomar um conjunto de medidas que impliquem melhorias nas condições
sociais dos cidadãos. Nesta última hipótese, são também denominadas liberdades
positivas.
CATEGORIAS DE DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
DIREITOS DE PRIMEIRA, SEGUNDA, TERCEIRA, QUARTA E
QUINTA DIMENSÕES (GERAÇÕES):
A
doutrina mais atual costuma dividir os direitos fundamentais em 3 (três)
categorias: Direitos e garantias fundamentais de primeira, segunda e terceira
gerações. Contudo, alguns doutrinadores,
como, por exemplo, Paulo Bonavides, afirmam existir 5 (cinco) categorias. Alexandre de Moraes (2006, p. 26) nos lembra
de que referida classificação tem em conta a ordem histórico-cronológica em que
referidos direitos fundamentais passaram a receber expresso amparo das Constituições.
Os direitos fundamentais de 1ª dimensão são os
direitos individuais e políticos. Os direitos individuais são também
denominados, pela doutrina, liberdades clássicas, negativas ou formais. Os
direitos políticos, por sua vez, são também conhecidos por liberdades-participação.
Os direitos de 2ª dimensão são os
diretos sociais, econômicos e culturais. Referidos direitos têm por escopo diminuir
as desigualdades sociais, notadamente proporcionando proteção aos mais fracos.
Parte da doutrina também os denomina liberdades concretas, positivas ou reais.
Estão incluídos nesta categoria, por exemplo, os direitos relacionados ao
trabalho, à saúde, à previdência social e à proteção à velhice.
Os direitos de 3ª dimensão, por
sua vez, são os direitos coletivos em sentido amplo (também conhecidos como
interesses transindividuais ou metaindividuais), gênero em que estão incluídos
os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os direitos individuais
homogêneo, todos definidos pelo artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa
do Consumidor. Podemos citar como exemplo desta categoria o direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
Já
se tornou célebre a relação que Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1995, p. 57)
fez entre as três gerações de direitos e garantias fundamentais e o lema da
Revolução Francesa. Segundo esse renomado autor, os de primeira geração seriam
os relativos à liberdade; os de segunda, os relacionados à igualdade; e os
terceira, à fraternidade.
Dimensão
de direitos
|
Princípios
da revolução Francesa
|
Direitos
constitucionalmente reconhecidos
|
1ª Dimensão
|
Liberdade
|
Direitos
civis e políticos.
|
2ª Dimensão
|
Igualdade
|
Direitos
sociais, econômicos e culturais.
|
3ª Dimensão
|
Fraternidade
ou solidariedade
|
Direitos
difusos ou coletivos.
|
Direitos
fundamentais da 4ª dimensão, segundo orientação de Norberto Bobbio,
referida geração de direitos decorreria dos avanços no campo da engenharia
genética, ao colocarem em risco a própria existência humana, por meio da
manipulação do patrimônio genético. Segundo o mestre italiano: “... já se apresentam
novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração,
referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que
permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.
Por outro lado, Bonavides afirma que “a globalização
política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta dimensão,
que, aliás, correspondem à verdadeira fase de institucionalização do Estado
social”, destacando-se os direitos a: democracia
(direta); informação; pluralismo.
Assim para Bonavides, os direitos da 4ª dimensão decorrem da
globalização dos diretos fundamentais, o que significa universalizá-los no
campo institucional.
Ingo Sarlet observa que “a proposta do Professor Bonavides,
comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação
genética, mudança de sexo, etc., como integrando a quarta geração, oferece
nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos
direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se
cuida de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte,
dos clássicos direitos de liberdade”.
Direitos
fundamentais da 5ª dimensão, o direito à paz foi classificado por
Karel Vasak como de 3ª dimensão.
Contudo, Bonavides entende que o direito à paz deve ser tratado em dimensão autônoma, chegando a
afirmar que a paz é axioma da democracia participativa, ou, ainda, supremo
direito da humanidade.
CLASSIFICAÇÃO
FORMULADA POR NOSSA CONSTITUIÇÃO:
A
Constituição Federal de 1988 trata dos direitos fundamentais em seu Título II.
Entretanto, ao invés de dividi-los em 3 (três) categorias, conforme
classificação mencionada, preferiu fazê-lo em 5 (cinco): direitos e deveres individuais
e coletivos (Capítulo I – art. 5º), direitos sociais (Capítulo II – art’s 6º a
11), direitos da nacionalidade (Capítulo III – art’s. 12 e 13), direitos
políticos (Capítulo IV – art’s 14 a 16) e direitos relacionados à organização e
participação em partidos políticos (Capítulo V – art. 17).
DISTINÇÃO
ENTRE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
Distinção
entre direito e garantia: o primeiro tem caráter declaratório, que imprime existência;
o segundo, a seu turno, traz disposições assecuratórias. Vejamos um exemplo de
cada instituto, extraído do próprio texto constitucional, para que a distinção
fique mais clara.
Exemplo
de direito nós o temos no artigo 5º, inciso IV, da Constituição, que declara
que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Percebemos, no dispositivo constitucional em comento, seu inequívoco caráter
declaratório, imprimindo existência a um determinado direito.
Como
exemplo de garantia constitucional, podemos mencionar aquela inserida no mesmo
artigo 5º, inciso V, da Carta Magna, que assegura “o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem”. Como se pode perceber referida norma garante uma prerrogativa a quem
sofreu, indevidamente, algum dano patrimonial ou mesmo extrapatrimonial, em
decorrência da manifestação do pensamento.
Não
podemos deixar de mencionar, contudo, que é perfeitamente possível que, em um
único dispositivo constitucional, estejam conjugados, a um só tempo, um direito
e uma garantia constitucionais. É o caso, por exemplo, do artigo 5º, inciso X,
da Carta Magna.
Com
efeito, a primeira parte do dispositivo constitucional em comento (“são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”) enuncia alguns
direitos, ao passo que a segunda (“assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação”) garante o exercício daqueles
direitos, ao prever uma indenização, caso sejam violados.
Devemos
ressaltar também que, se a garantia não se mostrar capaz de assegurar o
direito, num dado caso concreto, o cidadão tem à sua disposição um meio processual
próprio para torna-lo efetivo, o chamado remédio constitucional, que alguns
doutrinadores denominam garantia instrumental ou formal.
A
Constituição Federal de 1988 possui, em seu corpo, 8 (oito) remédios expressos,
que aparecem no texto na seguinte ordem: direito de petição (art. 5º XXXIV, a),
direito de certidão (art. 5º XXXIV, b), habeas
corpus (art. 5º LXVIII), mandado de segurança individual (art. 5º LXIX),
mandado de segurança coletivo (art. 5º LXX), mandado de injunção (art. 5º LXXI),
habeas data (art. 5º LXXII) e ação
popular (art. 5º LXXIII).
PRINCIPAIS
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
Com
algumas pequenas diferenças entre os autores que já analisaram o tema,
costuma-se conceder aos direitos fundamentais, em síntese, as seguintes
características: generalidade,
extrapatrimonialidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade,
imprescritibilidade e indisponibilidade.
Os
direitos fundamentais são tidos por genéricos, por
serem garantidos a todas as pessoas, sem possibilidade de exclusão
injustificada de parcelas da sociedade. São, de outro lado, extrapatrimoniais, uma
vez que não têm natureza econômica imediata. São também irrenunciáveis, já que
seu titular não os pode renunciar de maneira alguma.
São
considerados, de outro lado, intransmissíveis, por
não se transmitirem com a morte do titular. São tidos, ademais, por imprescritíveis, em
razão de não haver prazo para o seu exercício (não há que se falar em perda de
tais direitos pelo não-uso). São por fim indisponíveis, uma
vez que, em regra, não podem ser alienados.
É
oportuno mencionar, neste momento, que os direitos da personalidade são
considerados, pelos jusnaturalistas, como direitos inatos, por serem inerentes
ao homem, pertencendo a este desde o seu nascimento, independentemente de
previsão pelo ordenamento jurídico.
Esta
característica, contudo, não é aceita pelos positivistas. Para estes, os
direitos fundamentais não surgem em decorrência de uma ordem superior,
preexistente à ordem jurídica, mas sim em razão da evolução histórica de uma
determinada sociedade, quando passam a ser incluídos na legislação vigente.
CARÁTER RELATIVO DOS
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
A
despeito de todas as características declinadas na seção anterior, que
ressaltam a importância dos direitos fundamentais numa determinada ordem
jurídica estatal, é importantíssimo ressaltarmos que referidos direitos e
garantias fundamentais não são absolutos, ilimitados.
Com
efeito, sempre que houver alguma possível colisão entre direitos fundamentais,
não será possível conceder plena aplicação a ambos os direitos, havendo
necessidade de mitigação de um deles, ou mesmo de ambos, para que prevaleça, no
caso concreto, a solução que melhor se harmonize com o sistema constitucional
como um todo.
Esta
necessidade de compatibilizar a aplicação de direitos fundamentais em conflito
é solucionada através da aplicação do princípio da relatividade ou da
convivência das liberdades públicas, hoje também traduzida nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Colisão
ou antinomia de direitos fundamentais, nós a temos, por exemplo, no possível
conflito que pode surgir, num dado caso concreto, entre a liberdade de
expressão da atividade de comunicação, independentemente de censura ou licença
(artigo 5º, inciso IX, da Carta Magna) e a inviolabilidade do direito à intimidade,
à vida privada e à imagem das pessoas, consagrada no inciso X do mesmo artigo
da Constituição.
Devemos
enfatizar, para encerrar este tópico, que, em decorrência do princípio da
convivência das liberdades públicas, um indivíduo não poderá jamais invocar uma
garantia constitucional para acobertar um comportamento ilícito, tentando
afastar, com tal argumento, a indispensável aplicação da lei penal.
APLICAÇÃO IMEDIATA DOS
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS:
Conforme
expressamente disposto no artigo 5º, § 1º, de nossa Carta Magna, “as normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Este
comando constitucional nos elucida, de maneira clara e inequívoca, que todas as
normas constitucionais que imprimam existência a direitos fundamentais, ou que
garantam sua aplicação, são normas de eficácia plena, não dependendo da edição
de qualquer lei infraconstitucional, para se tornarem auto-aplicáveis.
É
neste diapasão, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou
expressamente sobre a auto-aplicabilidade do mandado de injunção, permitindo a
propositura desta ação constitucional, mesmo ainda não existindo uma norma
infraconstitucional regulamentando a matéria.
Esclareçamos,
por fim, que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais somente
deixarão de ter aplicabilidade imediata, como dispõe o supramencionado artigo
5º, § 1º, quando o próprio texto constitucional condicionar a produção de seus
efeitos à edição de norma regulamentadora.
É
o caso, por exemplo, do disposto no artigo 5º, inciso XXVII, que concede ao
autor o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas
obras, o qual será transmissível aos herdeiros daquele, pelo tempo que a lei
fixar.
AO CARÁTER NÃO TAXATIVO DO
ROL DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ELENCADOS NA CONSTITUIÇÃO:
Nos
termos do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, “os direitos e garantias
expressas nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
Vê-se,
portanto, que a Carta Magna não reconhece e confere legitimidade apenas a
direitos e garantias inseridos em seu corpo, mas também a outros, fora de seu
texto, mas que guardam conformidade com os princípios por ela adotados, ou com
os tratados internacionais de que o Brasil seja signatário.
O
artigo 5º, § 2º, da Carta Magna também nos permite perceber que, além dos
direitos e garantias fundamentais expressos, a ordem constitucional vigente
confere existência a outros, implícitos, desde que consentâneos com o sistema
constitucional.
Citemos,
como exemplo desta última afirmação, a efetiva existência do mandado de
injunção coletivo (reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal), do princípio do non bis in idem (que proíbe duplo gravame
em razão de um mesmo fato) e do princípio do nemo tenetur se detegere (privilégio contra a auto-incriminação, ou
direito ao silêncio do acusado solto).
Não
podemos deixar de mencionar, por fim, que o rol dos direitos e garantias
fundamentais inseridos no próprio texto constitucional não se esgota na
enumeração contida em seu artigo 5º. Outros há, fora do Título II (relativo aos
direitos e garantias fundamentais).
É
o caso, por exemplo, dos direitos que limitam o poder de tributar do Estado,
contidos nos artigos 150 e seguintes da Constituição Federal, pertencentes ao
Título VI da Carta Magna, que trata das normas sobre tributação e orçamento.
TRATADOS E CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004:
A
Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou ao artigo 5º
da Constituição Federal o § 3º, determinando expressamente que “os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Portanto,
desde que tenham por objeto direitos humanos e que se submetem ao rito legislativo
fixado no artigo 60 da Carta Magna, os tratados e convenções internacionais
serão equivalentes às emendas constitucionais.
Com
esse novo comando constitucional, o entendimento do Supremo Tribunal Federal de
que referidos atos normativos, após a edição do decreto legislativo, tornam-se
normas infraconstitucionais, com força de lei ordinária, vale apenas para os
que não tratarem de direitos humanos, e não forem submetidos ao rito de
deliberação e aprovação próprio das emendas à Constituição.
AAFS
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