segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

CRIME DOLOSO E CRIME CULPOSO


CRIME DOLOSO E CRIME CULPOSO

1. INTRODUÇÃO:
           
            O presente trabalho tem por objeto a análise dos crimes dolosos e culposos, observando seus conceitos e características.

2. CRIME:

            Em consequência do caráter dogmático do Direito Penal, o conceito de crime é essencialmente jurídico. Entretanto, ao contrário de leis antigas, o Código Penal vigente não contém uma definição de crime, que é deixada à elaboração da doutrina.
            Crime, em termos jurídicos, é toda conduta típica, antijuridíca (ou ilícita) e culpável, praticada por um ser humano.
            Em um sentido vulgar, crime é um ato que viola uma norma moral.
            Num sentido formal, crime é uma violação da lei penal incriminadora.
            No conceito material, crime é uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico individual ou coletivo.
            Como conceito analítico, o crime pode ser dividido em duas vertentes: a clássica e a finalistica. A primeira, observa o Crime como um fato típico, antijurídico e munido de culpabilidade. Tal divisão baseia-se na premissa de que a culpabilidade é um vínculo subjetivo entre a ação e o resultado de certa conduta.
Para a teoria finalistica, a mais aceita pelos doutrinadores, a culpabilidade não faz parte do conceito de crime pois esta é apenas pressuposto para a aplicação da pena. Isto ocorre porque a culpabiliade não irá afetar a existencia ou não de um crime e sim apenas influir na integração de uma pena.
            Para a teologia, o crime é o pecado, que significa transgressão da lei, e desobediência a vontade e a palavra de Deus, sendo o crime um ato voluntário humano que tem como consequência final a morte e perda da salvação da alma.

3- CRIMES DOLOSOS:

 3.1- Teorias do Dolo

            Para definir o crime doloso duas teorias disputaram o consenso dos criminalistas, notadamente as teorias da representação e da vontade, constituindo-se a essência do delito doloso, para a primeira, no elemento intelectivo, ou seja, na previsão do evento, e, para a segunda (teoria da vontade), o tópico proeminente no momento volitivo, exigindo, para que se tenha agido com dolo, a vontade de causação do evento.
            Para a teoria da representação, a existência do dolo requer a representação subjetiva ou previsão do resultado como certo e provável e, para a segunda, a vontade ou consentimento no resultado. Dissídio este, como lembra NELSON HUNGRIA, superado, pois "dolo é, ao mesmo tempo, representação e vontade".
            Diz o Código Penal que o crime é doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (art. 18, l). Vontade e representação são os dois elementos essenciais para que haja dolo e para a configuração dos crimes desta modalidade.

 3.2 - Dolo Direto e Dolo Eventual
            A doutrina costuma classificar o dolo em direto e eventual, admitindo alguns autores a subdivisão do primeiro em dolo direto de primeiro e segundo grau, quando o
resultado é desejado com fim direto ou quando este resultado é consequência necessária do meio eleito, como na hipótese em que existe relação necessária entre o meio e o resultado pretendido pelo agente na sua conduta típica. Se este sabe que a ação
necessariamente acarreta resultado concomitante e, não obstante, pratica a ação, quer, por certo, também este resultado.
            ÁLVARO MAYRINK DA COSTA, Direito Penal, Parte Geral, Forense, 3. ed., 1991, vol. l, T. l, p. 725, admite a existência do dolo direto, nele abrangido o chamado dolo de consequências necessárias, e, noutra classe, o dolo eventual que existe "quando o autor representa o resultado como relativamente provável e inclui essa probabilidade na vontade realizadora (assume o risco de sua realização)". Cita, também, o caso dos mendigos russos que mutilavam crianças para excitar a compaixão pública. Naquelas circunstâncias, informa o autor, algumas crianças vinham a falecer e, obviamente, se os mendigos viessem a saber que as crianças poderiam vir a morrer, jamais as mutilariam, pois de nada lhes serviriam mortas. Não aceitavam, diretamente, a morte das crianças, porém, sabendo que poderiam vir a falecer diante das mutilações, aceitaram a possibilidade do resultado (ob. cit, p. 723).
            Já o dolo eventual existe quando o agente assume o risco de produzir o resultado (CP, art.18, l, parte final). Nele a vontade não se dirige ao resultado, mas sim à conduta, com previsão de que esta pode produzir aquele. O agente percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere o agente que este se produza (DAMÁSIO DE JESUS, Comentários ao Código Penal, Parte Geral, vol. l, Saraiva, 86, p. 318).
            Para a subsistência do dolus eventualis é necessário que o agente, tendo previsto o resultado, ainda que somente possível, haja aceitado o risco de sua produção e desde que não tenha agido com a segura convicção de que aquele não ocorreria (FRANCESCO ANTOLISEI, Manuele di Diritto Penale, Parte Generale, Giufrè, 1991, vol. l, p. 309). Para exemplificar, quem fuma nas vizinhanças de material inflamável e prevê como possível um incêndio e, malgrado tal previsão, continua a fumar, sem ter absoluta segurança de que o incêndio não se produzirá, porém aceitando o risco da sua conduta, consente, implicitamente também com o incêndio (DELITALA, Do/o eventuale e colpa cosciente, Annuario Univ. Cattolica di Milano, 1932).                                                                                         
            Outro exemplo tem-se no caso de Tido que, desejando a morte de Caio, prevê, como possível, atingir mortalmente Semprônio, que está ao lado daquele, e, todavia, aceitando o risco da sua conduta, dispara, acabando por atingir Semprônio.

 3.3 - Dolo Eventual nos Crimes Omissivos

            Nos crimes omissivos ou de omissão própria, o sujeito viola um comando de ação, ou seja, não faz aquilo que deve fazer, porém em confronto com um indefectível predicado normativo. FRAGOSO, Lições, vol. L, p, 238, adepto da teoria em comento, acrescenta que "a omissão, sendo abstenção de atividade que o agente podia e devia realizar, não é
mero não fazer, mas não fazer algo que, nas circunstâncias, era ao agente imposto pelo
direito e que lhe era possível submeter ao seu poder final de realização", sendo o conceito da omissão necessariamente normativo, pressupondo a e istência de uma norma que imponha a ação omitida. Ou seja, a conduta havida é julgada em relação de contradição com uma norma que, se não existisse, impediria valorar o comportamento humano (vide PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, Comentários ao Código Penal, Parte Geral, vol. l, Saraiva, 89, p. 51).
            Nossa legislação prevê apenas crimes omissivos próprios dolosos (FRAGOSO, Lições, cit., p. 239). Indaga-se: ser/a admissível o dolo eventual nos crimes omissivos próprios? O Código Penal diz que o crime é doloso quando o agente quis o RESULTADO ou assumiu o risco de produzi-lo. A princípio, pareceu ao legislador somente admitir crimes dolosos nas condutas de ação e resultado. Não se referiu ao dolo nos crimes de omissão própria.
            Sucede que também estes podem ser cometidos dolosamente (e somente com dolo), não obstante não se possa falar em resultado, como modificação no mundo físico. É que nos delitos de simples atividade (ou desobediência, cf. Binding), em que não existe resultado, "o dolo é representação, vontade e consciência da ilicitude da ação" (MAGALHÃES NORONHA, Direito Penal, vol. L, Saraiva, p. 135).
            Entretanto, nos crimes de conduta omissiva própria, para que subsista o dolo, é suficiente que o sujeito tenha a conduta omissiva e, além desta, tenha-se recusado a
ter a conduta comandada pela norma.
            A pergunta principal ainda não se encontra respondida. Do conceito de dolo eventual, porém, extrai-se que o mesmo requer uma conduta positiva, um facere que, conduzido pela vontade, deságüe na produção de um outro evento ao qual o agente anuiu, aquiesceu, assumiu o risco de causá-lo.
            Ou seja, basta que o réu tenha previsto como possível, o resultado, aceitando-o como possível, AGINDO a custo de determiná-lo. O chamado doius eventualis, pois, requer uma CONDUTA POSITIVA, um facere, um operar no mundo externo fático, que conduza à produção do resultado antijurídico. Não se compadece, pois, com os crimes
omissivos próprios. A natureza da omissão dolosa requer o dolo direto. A tese sustentada encontra respaldo no direito positivo. Existem, também, outros crimes que não podem ser
praticados com dolo eventual porque a conduta típica o exclui. Ex.: receptação, art. 180 CP, denunciação caluniosa, art. 339 CP, etc. (FRAGOSO, Lições, p. 178). Além destes, os crimes omissivos próprios também inadmitem a prática com dolo eventual. Já nas
chamadas fórmulas de Frank para forjar-se o conceito de do o eventual, pode-se divisar, inequivocamente, a exigência de uma conduta eminentemente positiva: "seja assim ou de
outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso, AGIREI".
            Esta indiferença, que particularmente configura o dolo eventual, somente ocorre quando o sujeito AGE, reúne suas forças numa conduta positiva, após prever que, dela, o resultado conexo e possível poderá advir. Nos crimes omissivos, o sujeito não faz aquilo que podia e devia fazer, contrapondo-se ao imperativo legal. Não pode, pois, agir com dolo eventual, que somente tipifica crimes comissivos, ou seja, de ação e resultado.

 3.4 - Dolo Eventual nos Crimes Comissivos por Omissão

            Os crimes comissivos por omissão são aqueles em que o sujeito, mediante uma omissão, permite a produção de um resultado posterior, que os condiciona , não havendo relação de causalidade física alguma entre a omissão e o resultado. O que a lei dispõe, com efeito, é sobre a relevância da omissão, ou equiparação desta à ação. O sujeito responde pelo resultado não porque o causou com a omissão, mas porque não o impediu, realizando a conduta a que estava obrigado.
            Os crimes comissivos por omissão ou omissivos impróprios não são, como geralmente se supõe, crimes comissivos. "São crimes omissivos em que a punição surge, não porque o agente tenha causado o resultado (não há causalidade alguma na omissão), mas porque não o evitou.
            Parte da doutrina aceita a adjetivação dos crimes omissivos impróprios como sendo de omissão qualificada, justamente porque a condição de garante da não superveniência do resultado está limitada, num dado círculo de autores, pela lei.
            Embora sem referir-se, expressamente, à existência ou não de relação de causalidade nos crimes comissivos por omissão, ALFREDO DE MARSICO, Diritto
Penale, Jovene, 1969, Parte Generale, n. 69, p. 98, informa que a obrigação de ativar-se ocorre não só por força de lei, mas, também, em decorrência de um costume ou de uma
norma de prudência comum.
            Ponto concorde, porém, na doutrina é que os crimes em questão, ditos omissivos impróprios, estão abrangidos na classe maior dos crimes de omissão, sendo também denominados delitos de não impedimento.
            Interessante estudo sobre a multiplicaçãoun iversal dos crimes omissivos no direito penal é feito pelo Prof. MANTOVANI, ob. cit, p. 165. Observa o A. Que, tradicionalmente, o direito penai é um direito repressivo, ou seja, de proibições, constituído de crimes de ação e, excepcionalmente, de crimes de omissão. Nos Estados totalitários, constituindo-se a liberdade uma exceção e a coação a regra, finalizando o indivíduo em função dos
interesses superiores e absorventes, impõe o Estado uma série de obrigações comportamentais em razão da sua posição no âmbito da comunidade, terminando o
ordenamento totalitário por ser, também, de comandos.
            A tendência expansiva dos crimes omissivos é, a outro lado, uma característica da passagem do Estado liberal ao Estado social de direito ou solidarístico, o qual, absorvendo novos deveres em amplas esferas, impõe aos cidadãos a obrigação de determinadas ações, voltadas ao conseguimento de algumas finalidades que assume como próprias, quais sejam, antes de tudo, o cumprimento dos deveres de solidariedade
do corpo social, em vista de uma homogeneização econômico-polítíco-social. Mostra o A. que o recurso aos tipos legais omissivos corresponde, de outra forma, a uma exigência imposta pela sempre maior complexidade da vida de relação, causada também pelo progresso tecnológico e da sempre mais complicada mecanização, que comportam a
emanação de um sempre maior número de normas cautelares de conduta, cuja violação consiste, quase sempre, em omissões (ex.: normas em matéria de circulação, tráfego
e segurança do trabalho).
            No aspecto que interessa ao âmbito do estudo, resta a indagação feita a propósito dos crimes omissivos puros, ou seja, se a classe dos crimes comissivos por omissão admite o dolo eventual.
            Integrando os delitos sub examen a subespécie dos delitos omissivos, evidentemente que o dolo requer representação e vontade diretas de não-ativação, ou
seja, da vontade de não realizar a ação impeditiva do evento. Não admitem, pois, tal como os delitos de pura omissão, a prática através de dolo eventual. Após informar que nos delitos omissivos próprios o dolo é constituído: a) pela representação do pressuposto do dever de agir (encontro de um corpo inanimado; notícia de crime); b) da vontade de não cumprir a ação devida (idónea e possível), ou seja, de não fazer concomitantemente ao final do termo ou em colocar-se, de antemão, na impossibilidade de cumprir o dever.
            Esta parece ser a posição assumida por FRAGOSO, Lições, Parte Geral, n. 225, que, sobre os aspectos subjetivos da omissão, frisava:
"Nos crimes comissivos por omissão dolosos, a parte subjetiva do comportamento requer
vontade de realização da conduta diversa, que corresponde à vontade de omitir a ação
devida. Como nota Welzel, o que costumamos chamar de omissão querida é, em realidade, um omitir consciente, ou seja, uma omissão com a consciência do poder de
atuar. O dolo deve corresponder, nos crimes omissivos puros, à vontade consciente de
abstenção da atividade devida. Nos crimes comissivos por omissão, a ele deve
corresponder, além disso, também o desejo de atingir o resultado através da omissão,
tendo o agente consciência de que ocorrem as circunstâncias de fato que fundamentam a
sua posição de garantidor."
            Em todas as fases, pois, do desenvolvimento da conduta, requer-se, quando se trata de crime comissivo por omissão, dolo direto, tanto no que pertine ao momento
cognoscitivo (representação), quanto no volitivo (vontade direta de não ativar-se ou cumprir a ação impeditiva do evento) (MANTOVANI, ob. cit, p. 324). Em conclusão,
também os delitos omissivos impróprios não podem praticarse  enão com dolo direto, excluído o dolo eventual.

 3.5 - Tentativa e Dolo Eventual

            Nos crimes que admitem o cometimento sob forma de dolus eventualis também a tentativa deve admitirse. Ou seja, é suficiente para a subsistência da tentativa, além do dolo direto, o dolo eventual.
            Não pode ser negada a existência de tentativa de homicídio com dolo eventual no caso do motorista inabilitado que, embriagado, e dirigindo em via movimentada num grande centro urbano, imprime velocidade excessiva ao automóvel, fazendo, ainda, manobras perigosas em ziguezague, levando-o a capotar e atropelar dois passantes, sendo que um deles morre e outro sai gravemente ferido. Restando apurada a existência do dolo eventual, os ferimentos ocasionados numa das vítimas somente poderiam ser atribuídos a título de tentativa, sob a forma de dolo eventual e em concurso com homicídio também doloso. Ou seja, o agente responderia por homicídio doloso (decorrente de dolo eventual), em concurso com tentativa de homicídio. Sendo o dolo único, e não podendo ser fracionado, o resultado menos grave deverá ser imputado a titulo de conatus.

 3.6  Dolo Eventual e Culpa Consciente

            Questão complexa, em doutrina e jurisprudência, a diferenciação entre o dolo eventual e a culpa consciente . Vários critérios têm sido utilizados para a individualização de ambos os elementos, valendo citar: 1) critério da doutrina finalista; 2) o critério da predisposição ou não de medidas destinadas a impedir o evento; 3) teoria da representação; 4) teoria do atteggiamento interiore e, enfim, 5) o critério do consenso hipotético (MANTOVANI, ob. cit, p. 321/322).
            E, contra os quais se objeta: 1) a teoria finalista da ação é esta incapaz de diferenciar o dolo eventual da culpa consciente: ou se põe como pedra de toque a finalidade real, faltante em ambas as modalidades, ou a finalidade potencial (dominabilidade do evento previsto), presente em ambas; 2) o critério da predisposição de meios ou medidas destinadas ao impedimento do evento não convence, porque é admissível a possibilidade de dolo eventual, não obstante a predisposição daqueles meios (ex: caso de quem, colocada a bomba para fins intimidatórios, procure, sem êxito, afastar os presentes), bem como é admissível a possibilidade da culpa consciente, não obstante a falta de adoção das medidas de cautela; 3) a teoria da representação também não resolve o problema, porque, objeta-se, dolo não é somente representação, mas vontade. De outra forma, dever-se-ia admitir a existência de culpa com respeito a todos os crimes culposos, praticados no desenvolvimento de atividades perigosas (circulação estradai; atividades industriais perigosas); 4) contra a teoria do atteggiamento ínteriore, que faz corpo sobre critérios emocionais, e para a qual o dolo eventual requer um quid pluris consistente na adesão interior ao evento (aprovação, consenso, indiferença), enquanto a falta de tal adesão, ou seja, a esperança da não-ocorrência do evento, dá lugar à culpa consciente, também não pode prevalecer, porque o direito penal, centrado sobre bases objetivas , não pode ter por escopo impedir meros estados interiores, mas concretas posições de vontade; 5) o critério do consenso hipotético, pelo qual o dolo eventual subsistirá sempre que se possa presumir que o agente teria igualmente agido, ainda que se tivesse previsão do evento como consequência da conduta, porque tal critério substitui, arbitrariamente, a natureza do dolo, como entidade psicológica real, e posicionado sobre dados efetivos, por dados hipotéticos, que são de mais árduo acertamento (MANTOVANI, Diritto Pena/e, cit, p. 322).
            Por isto, a diferenciação entre as duas formas de manifestação do elemento subjetivo deve centrar-se sobre; o critério da aceitação do risco , havendo dolo eventual
quando a vontade não se dirige face ao evento, mas quando o agente o aceita, como consequência eventual, acessória da; própria conduta (Cf. MANTOVANI, ob. cit, p. 320/1).
            O evento pode dizer-se consentido: a) quando o agente representa pelo menos a possibilidade positiva de seu verificar-se; b) permanece na convicção, ou somente na dúvida de que aquele possa ocorrer; c) tem, não obstante, a conduta, mesmo que a custo de ocasionar o evento, e, por isto, aceitando o risco da superveniência causal.
            Já na culpa consciente, embora tenha o agente previsto o evento, age com a segura convicção de que o mesmo não ocorrerá; ou seja, o agente não aceita a produção do resultado que entrou em seu conhecimento.
4. CRIMES CULPOSOS:

 4.1. Conceito de culpa

            Apesar de longa elaboração doutrinária, não se chegou ainda a um conceito perfeito de culpa em sentido estrito, e, assim, do crime culposo. Por essa razão, mesmo com a reforma da Parte Geral, a lei limita-se a prever as modalidades da culpa, declarando o art. 18, inciso II, que o crime é culposo "quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia".
            Para o Código Penal Tipo para a América Latina, no art. 26, "age com culpa quem realiza o fato legalmente descrito por inobservância do dever de cuidado que lhe incumbe, de acordo com as circunstâncias e suas condições pessoais, e, no caso de representá-lo como possível, se conduz na confiança de poder evitá-lo". Tem-se conceituado na doutrina o crime culposo como a conduta voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado.
            São assim elementos do crime culposo:
a) a conduta;
b) a inobservância do dever de cuidado objetivo;
c) o resultado lesivo involuntário;
d) a previsibilidade; e
e) a tipicidade.

 4.2. Conduta

            Enquanto nos crimes dolosos a vontade está dirigida à realização de resultados objetivos ilícitos, os tipos culposos ocupam-se não com o fim da conduta, mas com as conseqüências anti-sociais que a conduta vai produzir; no crime culposo o que importa não é o fim do agente (que é normalmente lícito), mas o modo e a forma imprópria com que atua. Os tipos culposos proíbem, assim, condutas em decorrência da forma de atuar do agente para um fim proposto e não pelo fim em si.
            O elemento decisivo da ilicitude do fato culposo reside não propriamente no resultado lesivo causado pelo agente, mas no desvalor da ação que praticou. Se um motorista, por exemplo, dirige velozmente para chegar a tempo de assistir à missa domingueira e vem a atropelar um pedestre, o fim lícito não importa, pois agiu ilicitamente ao não atender ao cuidado necessário a que estava obrigado em sua ação, dando causa ao resultado lesivo (lesão, morte).' Essa inobservância do dever de cuidado faz com que essa sua ação configure uma ação típica. A conduta culposa é, portanto, elemento do fato típico.

 4.3. Dever de cuidado objetivo

            A cada homem, na comunidade social, incumbe o dever de praticar os atos da vida com as cautelas necessárias para que de seu atuar não resulte dano a bens jurídicos alheios. Quem vive em sociedade não deve, com uma ação irrefletida, causar dano a terceiro, sendo-lhe exigido o dever de cuidado indispensável a evitar tais lesões. Assim, se o agente não observa esses cuidados indispensáveis, causando com isso dano a bem jurídico alheio, responderá por ele. É a inobservância do cuidado objetivo exigível do agente que torna a conduta antijurídica.
            Como muitas das atividades humanas podem provocar perigo para os bens jurídicos, sendo inerentes a elas um risco que não pode ser suprimido inteiramente sob pena de serem totalmente proibidas (dirigir um veículo, operar um maquinismo, lidar com substâncias tóxicas etc.), procura a lei estabelecer quais os deveres e cuidados que o agente deve ter quando desempenha certas atividades (velocidade máxima permitida nas ruas e estradas, utilização de equipamento próprio em atividades industriais, exigência de autorização para exercer determinadas profissões etc.).
            É impossível, porém, uma regulamentação jurídica que esgote todas as possíveis violações de cuidados nas atividades humanas. Além disso, às vezes a violação de uma norma jurídica não significa que o agente tenha agido sem as cautelas exigíveis no caso concreto. Quando não se pode distinguir pelas normas jurídicas se, em determinado fato lesivo a um bem jurídico, foram obedecidas as cautelas exigíveis, somente se poderá verificar o âmbito do cuidado exigido no caso concreto se forem considerados os aspectos particulares relacionados com a ocorrência.
            Essa verificação inclui a indagação a respeito da possibilidade de reconhecimento do risco de causar uma lesão e da forma que o agente se coloca diante dessa possibilidade. Deve-se confrontar a conduta do agente que causou o resultado lesivo com aquela que teria um homem razoável e prudente em lugar do autor. Se o agente não cumpriu com o dever de diligência que aquele teria observado, a conduta é típica, e o causador do resultado terá atuado com imprudência, negligência ou imperícia. É proibida e, pois, típica, a conduta que, desatendendo ao cuidado, a diligência ou à perícia exigíveis nas circunstâncias em que o fato ocorreu, provoca o resultado. A inobservância do cuidado objetivo exigível conduz à antijuridicidade.
            Tem-se afirmado que o fim da conduta, nos crimes culposos, é penalmente irrelevante. Entretanto, é ele inerente à própria ação e pode influir na modalidade de culpa com que atua o sujeito. Supondo-se o fato de alguém sair de uma garagem dirigindo o veículo em marcha à ré e atropelando um pedestre, a modalidade da ação culposa pode ser determinada pelo fim da ação.
            Se o motorista não observou as cautelas necessárias porque desejava sair rapidamente de casa, haverá imprudência; se, entretanto, o veículo foi posto em marcha à ré pelo agente que, desconhecendo a posição da alavanca do câmbio porque era inábil, desejava experimentar seu funcionamento, haverá imperícia. Outro exemplo: se um médico efetua uma intervenção cirúrgica com o fim de testar uma técnica ainda não explorada e ela se revela prejudicial, causando a morte do paciente, haverá imprudência; se o fez porque supunha, erroneamente, que era a técnica adequada para salvá-lo, haverá imperícia.

 4.4. Resultado

            Em si mesma, a inobservância do dever de cuidado não constitui conduta típica porque é necessário outro elemento do tipo culposo: o resultado. Só haverá ilícito penal culposo se da ação contrária ao cuidado resultar lesão a um bem jurídico. Se, apesar da ação descuidada do agente, não houver resultado lesivo, não haverá crime culposo.
            O resultado não deixa de ser um "componente de azar" da conduta humana no crime culposo (dirigir sem atenção pode ou não causar colisão e lesões em outra pessoa). Não existindo o resultado (não havendo a colisão), não se responsabilizará por crime culposo o agente que inobservou o cuidado necessário, ressalvada a hipótese em que a conduta constituir, por si mesma, um ilícito penal (a contravenção de direção perigosa de veículo, prevista no art. 34 da LCP, por exemplo). A exigência do resultado lesivo para a existência do crime culposo justifica-se pela função política garantidora que deve orientar o legislador na elaboração do tipo penal.
            Não haverá crime culposo mesmo que a conduta contrarie os cuidados objetivos e se verifica que o resultado se produziria da mesma forma, independentemente da ação descuidada do agente. Assim, se alguém se atira sob as rodas do veículo que é dirigido pelo motorista na contra-mão de direção, não se pode imputar a este o resultado (morte do suicida). Trata-se, no caso, de mero caso fortuito.
            Evidentemente, deve haver no crime culposo, como em todo fato típico, a relação de causalidade entre a ação e o resultado, obedecendo-se ao que dispõe a lei brasileira no art. 13 do CP.

 4.5. Previsibilidade

            O tipo culposo é diverso do doloso. Há na conduta não uma vontade dirigida à realização do tipo, mas apenas um conhecimento potencial de sua concretização, vale dizer, uma possibilidade de conhecimento de que o resultado lesivo pode ocorrer. Esse aspecto subjetivo da culpa é a possibilidade de conhecer o perigo que a conduta descuidada do sujeito cria para os bens jurídicos alheios, e a possibilidade de prever o resultado conforme o conhecimento do agente. A essa possibilidade de conhecimento e previsão dá-se o nome de previsibilidade.
            A previsibilidade - como anota Damásio - é a possibilidade de ser antevisto o resultado, nas condições em que o sujeito se encontrava. Exige-se que o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, pudesse prever o resultado de seu ato. A condição mínima de culpa em sentido estrito é a previsibilidade; ela não existe se o resultado vai além da previsão.
            A rigor, porém, quase todos os fatos naturais podem ser previstos pelo homem (inclusive de uma pessoa poder atirar-se sob as rodas do automóvel que se está dirigindo). É evidente, porém, que não é essa previsibilidade em abstrato de que se fala. Se não se interpreta o critério de previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o resultado lesivo sempre seria atribuído a seu causador.
            Não se pode confundir o dever de prever, fundado na diligência ordinária de um homem qualquer, com o poder de previsão. Diz-se, então, que estão fora do tipo penal dos delitos culposos os resultados que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando o resultado só teria sido evitado por pessoa extremamente prudente. Assim, só é típica a conduta culposa quando se puder estabelecer que o fato era possível de ser previsto pela perspicácia comum, normal dos homens.
            Os homens, porém, são distintos no que concerne à inteligência, sagacidade, instrução, conhecimentos técnicos específicos etc., variando a condição de prever os fatos em cada um. Assim, a previsibilidade, segundo a doutrina, deve ser estabelecida também conforme a capacidade de previsão de cada indivíduo. A essa condição dá-se o nome de previsibilidade subjetiva. Verificado que o fato é típico diante da previsibilidade objetiva (do homem razoável), só haverá reprovabilidade ou censurabilidade da conduta (culpabilidade) se o sujeito pudesse prevê-la (previsibilidade subjetiva).
            Há que se atentar, porém, para o princípio do risco tolerado. Há comportamentos perigosos imprescindíveis, que não podem ser evitados e, portanto, não podem ser tidos como ilícitos (médico que realiza uma cirurgia em circunstâncias precárias podendo causar a morte do paciente; piloto de corridas que pelas condições da pista pode fazer seu veículo derrapar e causar a morte de espectadores etc.).
            A previsibilidade também está sujeita ao princípio da confiança. O dever objetivo de cuidado é dirigido a todos, de comportarem-se adequadamente, não se podendo exigir que as pessoas ajam desconfiando do comportamento de seus semelhantes. Assim, o motorista tem a confiança, espera (ação esperada), que o pedestre não atravesse a rua em local ou momento inadequado, sem olhar para os veículos que ali trafegam. Se ele o faz, sendo colhido pelo automóvel, inexiste a culpa. Para a determinação em concreto da conduta correta de um, não se pode, portanto, deixar de considerar aquilo que seria lícito, nas circunstâncias, esperar-se de outrem, ou melhor, da própria vítima.
            Se o fato for previsível, pode o agente, no caso concreto, prevê-lo ou não. Não tendo sido previsto o resultado, existirá a chamada culpa inconsciente; se previsto, pode ocorrer a culpa consciente ou dolo eventual. Inexistente a previsibilidade, não responde o agente pelo resultado, ou seja, inexiste o crime culposo.
Essa colocação doutrinária, para nós, não é perfeita. Em primeiro lugar, por se fundar a previsibilidade objetiva em uma abstração (homem razoável, homem médio, homem padrão, homem modelo etc.) que não se consegue caracterizar suficientemente. Em segundo porque fica excluída a tipicidade do fato praticado por alguém que, por suas qualificações, tem maiores possibilidades de prever o resultado que o homem comum (um piloto de corridas ou um motorista profissional, em se tratando da previsão com relação a problemas de trânsito, um eletricista no que diz respeito aos perigos de máquinas movidas a energia elétrica, o químico quanto às substâncias tóxicas etc.). Adotando-se a teoria exposta, não há fato típico se praticado pela pessoa mais qualificada, embora por suas condições pudesse prever o resultado e operar com maiores cuidados do que os exigidos do homem comum. Por essa razão, estamos com Zaffaroni quando afirma que a previsibilidade deve ser estabelecida conforme a capacidade de previsão de cada indivíduo, sem que para isso se tenha de recorrer a nenhum "termo médio" ou "critério de normalidade". Assim, pode haver ou não tipicidade conforme a capacidade de prever do sujeito ativo. A previsibilidade subjetiva é, para nós, elemento psicológico (subjetivo) do tipo culposo.

 4.6. Tipicidade

            Nos crimes culposos a ação não está descrita como nos crimes dolosos. São normalmente tipos abertos que necessitam de complementação de uma norma de caráter geral, que se encontra fora do tipo, e mesmo de elementos do tipo doloso correspondente. Assim, a lei brasileira prevê no art. 129, § 6°: "Se a lesão é culposa: Pena-detenção, de dois meses a um ano" e no art. 250, § 2°: "Se culposo o incêndio, a pena é de detenção, de seis meses a dois anos", exigindo-se para a adequação do fato a esses tipos penais a complementação prevista no art. 18, inciso II (conceito legal para o entendimento do crime culposo), no art. 129, caput (que prevê a lesão corporal como ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem) e também, no art. 250, caput (que prevê na conceituação do incêndio a exposição de perigo à vida, à integridade física ou ao patrimônio de outrem).
            A tipicidade nos crimes culposos determina-se através da comparação entre a conduta do agente e o comportamento presumível que, nas circunstâncias, teria uma pessoa de discernimento e prudência ordinários. É típica a ação que provocou o resultado quando se observa que não atendeu o agente ao cuidado e à atenção adequados às circunstâncias.
             Em suma, a culpa, à semelhança do dolo, é uma atitude contrária ao dever; portanto, reprovável da vontade.

 4.7. Modalidades de culpa

            As modalidades de culpa, ou formas de manifestação da falta do cuidado objetivo, estão discriminadas no art. 18, inciso II: imprudência, negligência ou imperícia.
            A imprudência é uma atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração, com afoiteza, sem cautelas, não usando de seus poderes inibidores. Exemplos: manejar ou limpar arma carregada próximo a outras pessoas; caçar em local de excursões; dirigir sem óculos quando há defeito na visão, fatigado, com sono, em velocidade incompatível com o local e as condições atmosféricas etc.
            A negligência é inércia psíquica, a indiferença do agente que, podendo tomar as cautelas exigíveis, não o faz por displicência ou preguiça mental. Exemplos: não colocar avisos junto a valetas abertas para um reparo na via pública; não deixar freiado automóvel quando estacionado; deixar substância tóxica ao alcance de crianças etc.
            A imperícia é a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos no exercício de arte ou profissão, não tomando o agente em consideração o que sabe ou deve saber. Exemplos: não saber dirigir um veículo, não estar habilitado para uma cirurgia que exija conhecimentos apurados etc. A imperícia pressupõe sempre a qualidade de habilitação legal para a arte (motorista amador, por exemplo) ou profissão (motorista profissional, médico, engenheiro etc.). Havendo inabilidade para o desempenho da atividade fora da profissão (motorista sem carta de habilitação, médico não diplomado etc.), a culpa é imputada ao agente por imprudência ou negligência, conforme o caso. São imprudentes o motorista não habilitado legalmente que não sabe dirigir, o curandeiro que pratica intervenção cirúrgica etc.
            Além de serem imprecisos os limites que distinguem essas modalidades de culpa, podem elas coexistir no mesmo fato. Poderá haver imprudência e negligência (pneus gastos que não foram trocados e excesso de velocidade), a negligência e a imperícia (profissional incompetente que age sem providências específicas), a imperícia e a imprudência (motorista canhestro recém-habilitado que dirige em velocidade incompatível com o local) etc.
            De especial interesse é o crime culposo nos casos de médicos, cirurgiões e outros profissionais. Haverá negligência se o profissional esquecer um instrumento no abdômen do paciente, quando de intervenção cirúrgica, ou trocar, por engano, a dosagem do remédio na receita; haverá imprudência quando procurar técnica mais difícil e não testada para delicada intervenção ou para a construção de uma ponte etc. É necessário, entretanto, que se distinga a culpa do chamado erro profissional.
            Este ocorre quando, empregados os conhecimentos normais da Medicina, por exemplo, chega o médico à conclusão errada no diagnóstico, intervenção cirúrgica etc., não sendo o fato típico. Segundo a doutrina e a jurisprudência, só a falta grosseira desses profissionais consubstancia a culpa penal, pois exigência maior provocaria a paralisação da Ciência, impedindo os pesquisadores de tentarem métodos novos de cura, de edificações etc.

 4.8. Espécies de culpa

            Refere-se a doutrina à culpa inconsciente e à culpa consciente, também chamada culpa com previsão.
            A culpa inconsciente existe quando o agente não prevê o resultado que é previsível. Não há no agente o conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem jurídico alheio.
            A culpa consciente ocorre quando o agente prevê o resultado, mas espera, sinceramente, que não ocorrerá. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta por entender que o evitará, que sua habilidade impedirá o evento lesivo que está dentro de sua previsão. Exemplo clássico dessa espécie de culpa é o do caçador que, avistando um companheiro próximo do animal que deseja abater, confia em sua condição de perito atirador para não atingi-lo quando disparar, causando, ao final, lesões ou morte da vítima ao desfechar o tiro.
            A culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, mas com ela não se confunde. Naquela, o agente, embora prevendo o resultado, não o aceita como possível. Neste, o agente prevê o resultado, não se importando que venha ele a ocorrer. Pela lei penal estão equiparadas a culpa inconsciente e a culpa com previsão, "pois tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá".' Já quanto ao dolo eventual, este se integra por estes dois componentes - representação da possibilidade do resultado e anuência a que ele ocorra, assumindo o agente o risco de produzi-lo. Igualmente, a lei não o distingue do dolo direto ou eventual, punindo o autor por crime doloso.
            Distingue-se, ainda, a culpa própria, em que o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo, da culpa imprópria, também denominada culpa por extensão, equiparação ou assimilação. Deriva esta do erro de tipo inescusável, do erro inescusável nas descriminantes putativas ou do excesso nas causas justificativas. Nessas hipóteses, o sujeito quero resultado, mas sua vontade está viciada por um erro que poderia, com o cuidado necessário, ter evitado. Assinala Damásio que a denominação é incorreta, uma vez que na chamada culpa imprópria se tem, na verdade, um crime doloso e que o legislador aplica a pena do crime culposo. O tratamento do fato como crime culposo justifica-se porque o agente deu causa ao resultado por não atender ao cuidado objetivo que dele se exigia na prática do ato.
            Diz-se que a culpa é presumida quando, não se indagando se no caso concreto estão presentes os elementos da conduta culposa, o agente é punido por determinação legal, que presume a ocorrência dela. Na legislação anterior ao CP de 1940 ocorria punição por crime culposo quando o agente causasse o resultado apenas por ter infringido uma disposição regulamentar (dirigir sem habilitação legal, acima do limite estabelecido na rodovia etc.), ainda que não houvesse imprudência, negligência ou imperícia. A culpa presumida, forma de responsabilidade objetiva, já não é prevista na legislação penal. Assim, a culpa deve ficar provada, não se aceitando presunções ou deduções que não se alicercem em prova concreta e induvidosa.
            A inobservância de disposição regularmentar poderá, entretanto, caracterizar uma contravenção (art. 32 da LCP, por exemplo) ou apenas um ilícito administrativo (dirigir em velocidade proibida, por exemplo).

 4.9. Graus da culpa

            Distinção do Direito Romano é a derivada do grau da culpa: grave (ou lata), leve e levíssima, de acordo com a maior ou menor possibilidade de previsão do resultado e mesmo dos cuidados objetivos tomados ou não pelo sujeito. Esses graus, não distinguidos expressamente na lei, têm interesse somente na aplicação da pena. Embora a lei nova já não se refira ao grau de culpa como uma das circunstâncias que devem ser aferidas pelo juiz para a fixação da pena, deve ser ela levada em consideração como uma das circunstâncias do fato (art. 59).
            Tem-se entendido que está isento de responsabilidade o agente que dá causa ao resultado com culpa levíssima. Tal distinção é fundada na afirmação de que o evento, na hipótese de culpa levíssima, só poderia ser evitado se seu causador atuasse com atenção extraordinária, o que equivaleria praticamente ao caso fortuito. Em sentido contrário, porém, manifestam-se alguns doutrinadores diante do silêncio da lei penal a respeito do assunto. A distinção perde seu interesse já que estará excluída a responsabilidade penal quando o agente atuou com as cautelas a que estava obrigado em decorrência de suas condições pessoais.

 4.10. Compensação e concorrência de culpas

            Ao contrário do que ocorre no Direito Civil, as culpas não se compensam na área penal.4 Havendo culpa do agente e da vítima, aquele não se escusa da responsabilidade pelo resultado lesivo causado a esta. A imprudência do pedestre que cruza a via pública em local inadequado não afasta a do motorista que, trafegando na contramão, vem a atropelá-lo.
            Em matéria criminal, a culpa recíproca apenas produz efeitos quanto à fixação da pena (o art. 59 alude ao "comportamento da vítima" como uma das circunstâncias a serem consideradas), ficando neutralizada a culpa do agente somente quando demonstrado inequivocamente que o atuar da vítima tenha sido a causa exclusiva do evento. Sendo o evento decorrente de culpa exclusiva da "vítima", evidentemente não há ilícito culposo a ser considerado.
            Há concorrência de culpas quando dois ou mais agentes (excetuada a co-autoria, em que deve haver um liame psicológico entre eles) causam resultado lesivo por imprudência, negligência ou imperícia. Todos respondem pelos eventos lesivos. 7 Uma tríplice colisão, em que ocorra lesões corporais ou morte, por exemplo, os motoristas que agiram culposamente (velocidade incompatível com o local, imperícia na manobra, reflexos lentos em decorrência de sono ou fadiga etc.) serão responsabilizados pelo resultado.

 4.11. Excepcionalidade do crime culposo

            Nos termos do art. 18, parágrafo único, os crimes são, regra geral, dolosos. Assim, em princípio, o agente só responde pelos fatos que praticar se quis realizar a conduta típica. Ocorrerá, entretanto, crime culposo quando o fato for expressamente previsto na lei, na forma culposa. Há homicídio culposo (art. 121, § 39), lesões corporais culposas (art. 129, § 6°), incêndio culposo (art. 250, § 2°) etc., mas não, por exemplo, dano culposo, já que o art. 163 somente prevê a forma dolosa para quem destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.